“Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.
Artigo 5, da Declaração dos Direitos Humanos
Em 10 de dezembro de l948, era anunciada a Declaração dos Direitos Humanos. Ao longo de toda a sua existência, o documento não foi capaz de sensibilizar governos e países a praticá-lo na sua essência. A tentativa de humanizar povos e nações após a carnificina da Segunda Guerra Mundial foi derrotada. As permanentes guerras, conflitos religiosos, étnicos, raciais, políticos e humanos continuaram a vigorar em escala planetária. Contudo, haverá um tempo em que todos os crimes cometidos contra a humanidade, povos, nações e pessoas serão desvendados e seus responsáveis julgados e condenados pelos atos cometidos.
O foco deste artigo se restringe aos crimes cometidos pela ditadura militar a partir do golpe de 1964 no país, e de seus aliados na região. O Brasil e a América Latina foram vítimas da mais sangrenta e repressiva ação militar da história recente da humanidade. Milhares de militantes políticos e ativistas sociais foram barbaramente assassinados e torturados pelos governos militares. Na América Latina, com exceção do Brasil, muitos dos envolvidos nestes crimes estão condenados pelos atos praticados. Centenas de processos estão em fase de julgamento nas várias instâncias da Justiça em seus respectivos países.
Dos processos que já tramitaram em julgado, os mais importantes são os que condenaram o ditador do Chile, Augusto Pinochet, e sua família, pelos crimes praticados contra o povo chileno, além dos generais argentinos que mataram criminosamente milhares de jovens no período ditatorial. Porém, em toda a América Latina, governos fardados, sob o comando dos Estados Unidos, organizaram e planejaram a mais tenebrosa estrutura repressiva de que se tem noticia: a operação Condor. Até recentemente o Exército e o Estado brasileiro negavam a participação nessa organização criminosa. Entretanto, documentos adquiridos por grupos de direitos humanos do Chile comprovam a participação efetiva do Brasil na sanguinária operação Condor.
Nos últimos dias, o debate em torno dos arquivos secretos em poder dos militares voltou à cena política. Em evento ocorrido na semana passada no Clube Militar, em Brasília, com a participação inclusive de oficiais da ativa, foi anunciada a existência de fichas e relatórios que elucidam a ação militante de ativistas da época da ditadura. Essa declaração pública reforçou a existência de documentos em poder do Estado e fortaleceu a ação encaminhada pelo Ministério Público Federal. Os procuradores federais, Marlon Alberto e Eugênia Fávaro, iniciaram uma ação pública para apurar práticas de torturas realizadas por agentes do DOI-Codi em São Paulo. A favor do procedimento jurídico, os ministros Tarso Genro e Paulo Vannuchi saíram em defesa dos procuradores e pediram a abertura imediata dos arquivos em poder dos militares.
A gritaria foi imediata. As viúvas dos coronéis e os amantes da tortura se apegaram na defesa da lei de Anistia - 6.683 - de 1979, alegando que ela foi discutida com representantes da sociedade civil, portanto, concluída e encerrada naquele período. Conforme os militares, “não cabe a discussão da proposta de abertura de arquivos, mas sim o respeito e o cumprimento da referida lei”. Já o deputado Bolsonaro, o mais ativo porta voz da ditadura militar no Brasil, xingou os manifestantes do grupo Tortura Nunca Mais e disse que o grande erro foi ter torturado e não matado. O deputado, com vocação de torturador e assassino, esqueceu que, durante o período em que as Forças Armadas estiveram à frente do governo brasileiro, milhares de homens e mulheres foram brutalmente assassinados, dentre esses, dezenas de camaradas nas matas do Araguaia.
Entretanto, sabemos que nenhuma nação no mundo será plenamente construída e conduzida para uma democracia plena, se a memória e a verdade sobre os fatos históricos não forem revelados à sociedade. A América Latina vive uma nova fase histórica, respaldada pelas amplas massas de trabalhadores que lutam por uma nova ordem política e social. É a América Latina que disse sim a Evo Morales no referendo do último final de semana, que apóia o socialismo do século 21 de Hugo Chávez, que espera com fervor as medidas emergenciais do Presidente Lugo no Paraguai e que destila sobre vários governos o elixir de um novo tempo que se abre, tempo de justiça e de luta.
É inserido nesse processo intenso que o Brasil vive. É nesse caudal de esperança e mudança que o governo do presidente Lula deve e precisa agir. Provocado pelos seus ministros Tarso Genro e Paulo Vannuchi, e respaldado pelos procuradores Federais, é que o Presidente Lula, os movimentos populares, os partidos, as organizações de direitos humanos, a igreja, os democratas de todas as matrizes ideológicas, deverão somar forças para exigir das Forças Armadas os arquivos que estão em seu poder.
Realizado o primeiro movimento de acesso aos arquivos, a sociedade brasileira deve exigir a apuração e o julgamento dos crimes cometidos pelos torturadores e assassinos, que sob a proteção do Estado ditatorial, reprimiram, torturaram e mataram centenas de homens e mulheres indefesos. A esses torturadores, cabe somente a condenação pelos crimes praticados. Condenação essa que promoverá uma profunda reconciliação do povo brasileiro com a memória e a história nacional.
*Gilson Reis, Presidente do Sinpro - MG - Sindicato dos Professores e dirigente nacional da CSC.
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=41805
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