domingo, 26 de dezembro de 2010

O Ministério Dilma

Marcos Coimbra




Por mais que a esperemos, é sempre surpreendente a má vontade de nossa “grande imprensa” para com o governo Dilma. No modo como os principais jornais de São Paulo e do Rio têm discutido o ministério, vê-se, com clareza, seu tamanho.

A explicação para isso pode ser o ainda mal digerido desapontamento com o resultado da eleição, quando, mais uma vez, o eleitor mostrou que a cobertura da mídia tradicional tem pouco impacto nas suas decisões de voto. Ou, talvez, a frustração de constatar quão elevadas são as expectativas populares em relação ao próximo governo, contrariando os prognósticos das redações.

As críticas ao ministério que foi anunciado na última semana estavam prontas, qualquer que fosse sua composição política, regional ou administrativa. Se Dilma chamasse vários colaboradores do atual governo, revelaria sua “submissão” a Lula, se fossem poucos, sua “traição”. Se houvesse muita gente de São Paulo, a “paulistização”, se não, que “dava o troco” ao estado, por ter perdido a eleição por lá. Se convidasse integrantes das diversas tendências que existem dentro do PT, que se curvava às lutas internas, se não, que alimentava os conflitos entre elas. E por aí vai.

Para qualquer lado que andasse, Dilma “decepcionaria” quem não gosta dela, não achou bom que ela vencesse e não queria a continuidade do governo Lula. Ou seja, desagradaria aqueles que não compartilham os sentimentos da grande maioria do país, que torce por ela, está satisfeita com o resultado da eleição e quer a continuidade.

Na contabilidade matematicamente perfeita da “taxa de continuísmo” do ministério, um jornal carioca foi rigoroso: exatos 43,2% dos novos integrantes do primeiro escalão ocuparam cargos no governo Lula (o que será que quer dizer 0,2% de um ministro?). E daí? Isso é pouco? Muito? O que haveria de indesejável, em si, em uma taxa de 43,2%?

Note-se que, desses 16 ministros, apenas oito tinham esse status, sendo os restantes pessoas que ascenderam do segundo para o primeiro escalão. A rigor, marcariam um continuísmo menos extremado (se é isso que se cobra da presidente). Refazendo as contas: somente 21,6% dos ministros teriam a “cara de Lula”. O que, ao contrário, quer dizer que quase 80% não a têm tão nítida.

Para uma candidata cuja proposta básica era continuar as políticas e os programas do atual governo, que surpresa (ou desilusão) poderia existir nos tais 43,2%? Se, por exemplo, ela chamasse o dobro de ministros de Lula, seria errado?

Isso sem levar em consideração que Dilma não era, apenas, a representante abstrata da tese da continuidade, mas uma profissional que passou os últimos oito anos trabalhando com um grupo de pessoas. Imagina-se que tenha desenvolvido, para com muitas, laços de colaboração e amizade. Mantê-las em seus cargos ou promovê-las tem muito a ver com isso.

No plano regional, a acusação é quanto ao excesso de ministros de São Paulo, nove entre 37, o que justificaria dizer que teremos um “paulistério”, conforme essa mesma imprensa. Se, no entanto, fizéssemos aquela aritmética, veríamos que são 24,3% os ministros paulistas, para um estado que tem 22% da população, se for esse o critério para aferir excessos e faltas de ministros por estados e regiões.

Em sendo, teríamos, talvez, um peso desproporcionalmente positivo do Rio (com seis ministros nascidos no estado) e negativo de Minas (com apenas um). Há que lembrar, no entanto, que a coligação que elegeu a presidente fez o governador, os dois senadores e a maioria da bancada federal fluminense, o oposto do que aconteceu em Minas. O PMDB saiu alquebrado e o PT ainda mais dividido no estado, com uma única liderança com perspectiva sólida de futuro, o ex-prefeito Fernando Pimentel, que estará no ministério.

Para os mineiros, um consolo, não pequeno: a presidente Dilma nasceu em Belo Horizonte. Os ministros são poucos, mas a chefe é de Minas Gerais.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Um ano muito revelador


por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



O ano de 2010 deixa algumas lições importantes para os observadores da imprensa e para todos os cidadãos que se preocupam com o futuro das liberdades democráticas. O impacto dos vazamentos do WikiLeaks certamente é uma delas, com a revelação de que na sociedade hipermediada não há garantia para segredos.

Fica também a constatação de que, diante da possibilidade de uma ampla transparência nas relações de poder, a imprensa tende a se alinhar com o conservadorismo e a manutenção do sistema no qual há informações para todos e informações para alguns.

Compreende-se que a imprensa, assim como os poderes que compõem o Estado, considere que alguns assuntos não devem ser do domínio público. Mas o fenômeno do WikiLeaks, ainda que considerado um instrumento de publicização aleatória, sem critérios jornalísticos, conseguiu sacudir o establishment e colocar sob suspeição a seriedade das razões que movem muitas decisões de Estado.

Considerando-se outras inovações nas tecnologias de comunicação e de informação, é de se questionar se o modelo tradicional da imprensa ainda tem validade.

Jornalismo e poder

Em muitos lugares do mundo, e em especial no Brasil, o ano de 2010 escancara evidências de que a mídia tradicional faz escolhas que nem sempre contemplam os interesses da maioria.

O trabalho de seleção e divulgação ordenada de notícias revelou-se claramente parte dos jogos de poder, e a imprensa não pode mais escapar de certos questionamentos, principalmente levando-se em conta que o seu valor sempre esteve vinculado a uma suposta missão de informar a cidadania para a defesa dos princípios democráticos.

Mas quanto e como a imprensa contemporânea contribui para o aprimoramento da democracia?

Sempre vale a pena rever os arquivos: em uma edição de domingo, 23 de março de 2003, o Estado de S.Paulo publicou artigo de Orville Schell, do New York Times, no qual ele afirmava que “o problema enfrentado por muitas empresas de comunicação não é continuar no ramo, mas continuar no jornalismo”. Segundo o autor, “a imprensa vem perdendo a capacidade de manter a democracia suficientemente informada para tomar decisões inteligentes”.

No caso do Brasil, já faz décadas que a imprensa tradicional vem fazendo esse esforço para abandonar o jornalismo em troca de poder, em detrimento da democracia.

Onde foi que a imprensa errou?

Termina, com este ano, o período de governo chefiado por um ex-operário, sindicalista que liderou a renovação das relações de trabalho no Brasil, contribuindo para recuperar a liberdade de associação interrompida pela ditadura, encerrando uma história de representações criadas sob a tutela do Estado Novo.

Luiz Inácio Lula da Silva deixa o governo com uma popularidade histórica, jamais alcançada por qualquer outro governante brasileiro, que provavelmente não será superada tão cedo, com indicadores econômicos e sociais marcantes e um processo de inclusão do Brasil entre as nações líderes neste início de século.

Contraditoriamente, esse mesmo governante entra e sai da cena política sob críticas incessantes da imprensa tradicional.

Como todos os chefes de Estado, certamente cometeu erros e acertos e deixa muitas tarefas importantes por serem completadas, como algumas reformas reclamadas há décadas pela sociedade. Mas dificilmente os pesquisadores irão encontrar, em outro período da História brasileira, tantas e tão profundas mudanças, que no entanto não parecem ser levadas em conta nas avaliações que a imprensa faz dele diariamente, numa indisfarçável e permanente manifestação de má vontade.

Quando surgiu para a cena política, o então sindicalista foi entrevistado por este observador, então um jornalista iniciante. O ano de 1975 ia pela metade e ele havia acabado de assumir a presidência do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Mauá e Diadema. Era chamado de “Baianinho”.

Duas de suas respostas àquela entrevista foram marcantes: na primeira, ele afirmava que o Brasil somente poderia ser considerado um país sério quando um operário pudesse comprar o carro que ajudava a fabricar ou um apartamento no prédio que ajudava a construir. Na segunda resposta, dizia ser seu sonho ajudar os trabalhadores, organizados, a se tornarem protagonistas da política nacional.

Eram tempos duros, de uma ditadura renitente ainda convulsionada pela disputa interna entre os militares que defendiam a abertura do regime e aqueles que conspiravam para reduzir ainda mais as poucas liberdades públicas.

Passados 35 anos, o ex-metalúrgico contabiliza em sua biografia a construção de um sindicalismo forte o suficiente para servir de plataforma para a criação de um dos maiores partidos políticos nacionais e deixa o governo com o mérito de haver produzido, com um misto de políticas sociais inovadoras e estratégia econômica conservadora mas eficiente, um inédito e consistente fenômeno de mobilidade social.

Espancando a verdade

Uma consulta aos arquivos da própria imprensa revela que os jornais se esforçaram para que Lula da Silva não fosse eleito. Empossado, os jornais apostaram no seu fracasso.

O Brasil se recuperava lentamente de uma sucessão de crises internacionais, o que revelava uma base frágil da economia como um todo, vulnerável até mesmo a sacolejos nas distantes e irrelevantes Indonésia ou Malásia.

Cerca de 2,5 milhões de brasileiros estavam sem emprego, o que representava 12,3% da população ativa sem remuneração assegurada. Mesmo com a mudança no sistema de cálculo – porque até então a base incluía pessoas com idades acima de 15 anos, e não de 18, como passou a ser considerado – o que se viu, a partir de 2003, foi uma redução constante e consistente do desemprego, além do crescimento da renda do trabalho.

A imprensa vive repetindo que Lula recebeu o Brasil em excelentes condições. Não é verdade: os dados publicados pelos jornais no período informam que a inflação havia disparado em 2002, a tal ponto que o Conselho Monetário Nacional foi obrigado, em janeiro de 2003, a aumentar em mais de 100% a meta para aquele ano – de 4% para 8,5% – dada a impossibilidade de se obter uma convergência entre a inflação real e aquela que fora projetada no fim do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.

Em 2002, a inflação real no Brasil havia evoluído de 7,62% em janeiro para 12,53% em dezembro, uma das mais altas do planeta. Na verdade, era a quarta maior inflação entre as 37 economias mais importantes do mundo, com um crescimento pífio nos dez anos anteriores.

Os números desmentem manchetes, artigos e editoriais. A chamada grande imprensa acumulou nesse período uma coleção de prognósticos equivocados. A imprensa precisa ser crítica, mas deve sempre perseguir a verdade. Não para espancá-la, mas para se servir dela.

O novo herói da mídia

O ano de 2010 está chegando ao fim e, com ele, um governo que, em dois mandatos, viveu o inferno em suas relações com a chamada imprensa tradicional.

Muito foi dito neste Observatório sobre esse conflito, que teve seu auge nos anos de 2005 e 2006 e, mais recentemente, na campanha eleitoral de 2010. E os observadores que acompanham essas análises desde então se dividiram em dois grupos inconciliáveis: aquele que vê em cada linha, em cada notícia, uma conspiração do “Partido da Imprensa Golpista” e aquele que imagina que toda crítica à imprensa é militância em defesa do lulo-petismo.

São raros, na verdade, os comentaristas que conseguem escapar desse estado de guerra, que teve episódios grotescos, como o da bolinha de papel – ou rolo de adesivo – capaz de produzir uma tomografia e uma infinidade de teorias, cada uma mais esdrúxula que a outra.

Toda essa parafernália de argumentos desapareceu repentinamente da imprensa e das cartas de leitores logo após a eleição – tanto nos jornais quanto nos comentários de blogs – e a política tomou outros rumos.

No noticiário dos jornais, o que se viu, durante todo o mês de dezembro foi a correria dos repórteres para tentar antecipar as escolhas do futuro ministério, dos cargos importantes no Banco Central, e a composição de poder da aliança que venceu a eleição presidencial. Sobrou um pouco de atenção para a formação de alguns dos novos governos estaduais e destacou-se também o processo de reorganização das forças oposicionistas.

Nesse sentido, a leitura diária dos jornais mostrou claramente que, para a imprensa, o ex-governador José Serra já é parte do arquivo morto da política. Suas tentativas de ocupar uma vitrina nacional e dali continuar influenciando a política, não receberam o respaldo que se esperava da imprensa, considerando-se o espaço com que sempre contou enquanto representava uma alternativa de poder.

A imprensa tradicional do Brasil já tem novo candidato à Presidência da República. Ele se chama Aécio Neves da Cunha.

Jogos de poder

De tempos em tempos, a imprensa tradicional do Brasil elege seus heróis. Quase sempre, escolhe entre as alternativas mais conservadoras. Foi assim em 1985, quando Fernando Henrique Cardoso disputou a prefeitura de São Paulo pelo PMDB: a maioria dos grandes jornais manifestou clara preferência por Jânio Quadros, não nos editoriais, mas na intensidade crítica do noticiário.

O episódio em que FHC, considerado então representante das forças da esquerda, sentou-se na cadeira de prefeito antes da eleição, foi na verdade estimulado por fotógrafos dos jornais e depois oportunisticamente explorado pela mídia. Da mesma forma, as respostas dúbias a perguntas maliciosas sobre uso de maconha e religiosidade foram manipuladas no noticiário da época.

Fernando Henrique só se tornou palatável para a imprensa tradicional quando se apresentou como a única alternativa para bloquear a chegada do PT ao poder, de 1994 em diante, assim como o PSDB só passou a ser o predileto da mídia quando se revelou ou se tornou um partido de centro-direita. Antes dele, a imprensa já havia inventado Fernando Collor, cujo governo acabou em impeachment, com protagonismo decisivo de seus antigos apoiadores na mídia.

A história dessa reviravolta ainda está por ser contada em detalhes, mas, em suma, trata-se da mesma antiga tradição da troca de apoio em projetos de poder.

É preciso contar, por exemplo, como as medidas econômicas de Collor possibilitaram o sucesso do Plano Real, e de como o isolamento do chamado “Centrão”, promovido pela elite parlamentar que viria a constituir o PSDB, acabou criando o bloco que veio a se aliar sucessivamente a Fernando Henrique e depois a Lula da Silva, compondo o perfil fisiológico do Congresso Nacional que a sociedade tanto deplora.

Final de ano, início de nova década, fim de um ciclo fascinante da política nacional, era tempo de a imprensa nos brindar com um olhar isento e profundo sobre a história recente da nossa democracia.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

General argentino pega prisão perpétua. Viva o Brasil !



No Brasil, Videla estaria no shopping para as compras de Natal

Ex-ditador argentino Jorge Videla é condenado à prisão perpétua

Um dia antes do veredicto, ex-ditador havia assumido culpa por seus atos. Ex-general foi julgado com colegas pela execução de 31 presos políticos.

O ex-ditador argentino Jorge Videla (1976-81) foi condenado nesta quarta-feira (22) à prisão perpétua, considerado culpado pelo homicídio de opositores e outros crimes contra a humanidade, em um julgamento contra 30 líderes do regime civil-militar.

O ex-general, de 85 anos, já havia sido condenado à prisão perpétua em 1985 durante um processo histórico da junta militar por crimes cometidos durante a ditadura (1976-1983), que fez 30.000 desaparecidos, segundo as organizações de defesa dos direitos do homem.

A partir daí, vários processos foram abertos contra Jorge Videla, católico fervoroso que fazia-se de moderado, até liderar o golpe de 24 de março de 1976 e de dirigir o país até 1981. Estes anos foram os mais duros do regime militar.

Em Córdoba (centro), o ex-general estava sendo julgado desde o início de julho junto com outros 29 repressores pela execução de 31 presos políticos.

Entre os julgados está o ex-general Luciano Menendez, já condenado à prisão perpétua por três vezes, em processos por violação aos direitos do homem.

Segundo o magistrado Maximiliano Hairabedian, há provas suficientes reunidas “para afirmar que (Jorge Videla) era o mais alto responsável pela elaboração de um plano de eliminação dos oponentes, aplicado pela ditadura militar”.

Roubo de bebês

Processado por roubos de bebês de presos políticos, um crime não acobertado pelo perdão de 1990, Videla foi colocado em prisão domiciliar de 1998 a 2008, até ser transferido para uma unidade prisional em detenção preventiva, enquanto aguardava os múltimos julgamentos.

A partir de 2001, foi também processado por sua participação no Plano Condor, coordenado pelas ditaduras de Argentina, Chile, Paraguai, Brasil, Bolívia e Uruguai para eliminar opositores.

“Assumo plenamente minhas responsabilidades. Meus subordinados limitaram-se a cumprir ordens”, destacou Videla no tribunal de Córdoba, um dia antes da divulgação do veredicto.

No depoimento final de 49 minutos que leu pausadamente, o ex-ditador, de 85 anos, disse que assumirá “sob protesto a injusta condenação que possam me dar”.

“Reclamo a honra da vitória e lamento as sequelas. Valorizo os que, com dor autêntica, choram seus seres queridos, lamento que os direitos humanos sejam utilizados com fins políticos”, disse Videla.

Depois apontou para o governo da presidente Cristina Kirchner, assinalando que as organizações armadas dissolvidas “não mais precisam da violência para chegar ao poder, porque já estão no poder e, daí, tentam a instauração de um regime marxista à maneira de (Antonio) Gramsci” (téorico marxista italiano).

Videla, como comandante da ditadura (1976-81), e Luciano Menéndez, 83 anos, como ex-chefe militar com jurisdição em 11 províncias, são os dois militares de mais alta patente acusados pelo assassinato de 31 presos políticos numa prisão de Córdoba.

Até o momento, 131 repressores foram sentenciados por crimes de lesa-Humanidade durante a ditadura argentina (1976/83).

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A blogosfera progressista está em crise?



Por Altamiro Borges
Nos últimos dias, uma acalorada polêmica tomou conta da chamada blogosfera progressista. Aparentemente, tudo começou com um artigo publicado no excelente blog de Luis Nassif com críticas sectárias ao movimento feminista. Diante das reações, algumas civilizadas e outras também sectárias, o próprio Nassif explicou que o texto não era de sua autoria, mas sim de um dos inúmeros colaboradores do seu blog, e reconheceu o erro na publicação e no tratamento dado à polêmica deflagrada. O clima, porém, já estava carregado, cheio de adjetivações e troca de farpas.

O que poderia ser um rico debate sobre o crônico machismo na sociedade – um debate sempre tão necessário, até para os que se dizem feministas desde criancinha – desembocou numa preocupante “crise da blogosfera progressista”. Visões pouco generosas, desagregadoras, chegaram a insinuar que a blogosfera progressista seria machista por natureza. No twitter, alguns babacas da direita nativa, que nunca tiveram qualquer preocupação com a questão de gênero, aproveitaram para festejar a divisão deste jovem movimento. No próprio campo progressista, alguns manifestaram o seu desânimo com as “baixarias”.

Garantir a unidade na diversidade
Em férias, um justo direito conquistado pelo proletariado, acompanhei à distância a encarniçada polêmica. Fiquei triste com o sectarismo, o que só confirma que ainda vamos apanhar muito para superar a nossa cultura autoritária, mas não caí no ceticismo. Sou daqueles que acha que o movimento da blogosfera progressista está dando apenas os seus primeiros passos. Ele ainda precisará comer muito arroz e feijão para definir melhor seus princípios, seus objetivos, sua abrangência e suas ações. Nesta longa caminhada, ele cometerá muito erros. Visões diferenciadas e até mesmo vaidades ficarão expostas.

Estas diferenças não me preocupam. A riqueza deste movimento está exatamente na sua diversidade. O desafio é exercitar a nossa cultura democrática e unitária, tendo como objetivo maior garantir a unidade na diversidade. O que une a blogosfera progressista hoje não são visões totalizantes, nem as posturas diante do atual governo ou as preferências partidárias. O que nos une é o desejo de construir outra mídia, mais democrática, crítica e compartilhada, que se contraponha a ditadura midiática. O que nos une são valores e lutas contra qualquer tipo de opressão – de gênero, étnicas, regionais, de classe.

Golaços da blogosfera progressista
Só com muita amplitude e generosidade, sem temores às polêmicas e às críticas, será possível construir um forte movimento da blogosfera progressista. Com esta postura, que norteou os trabalhos da comissão organizadora do primeiro encontro nacional em agosto passado – e que contou com a inestimável ajuda de Luis Nassif –, o jovem movimento dos blogueiros progressistas marcou dois golaços em 2010. Erros foram cometidos, até por inexperiência e desarticulação, mas eles não devem ofuscar ou minimizar os expressivos avanços deste incipiente movimento neste curto período.

Pela primeira vez na história, mais de 330 blogueiros, twitteiros e outros internautas que estavam dispersos, que nem se conheciam, participaram de um encontro nacional e aprovaram bandeiras unitárias de luta – contra o AI-5 Digital, por um plano universal de banda larga, por um novo marco regulatório da comunicação, em apoio à Adin do jurista Fábio Konder Comparato. Há consenso de que o encontro de agosto foi um marco histórico. Após intenso debate, a plenária definiu manter o adjetivo “progressista” até o próximo encontro, e aprovou uma forma mais horizontal de organização, sem hierarquias.

A vitalidade dos “blogs sujos”
O segundo golaço foi a entrevista coletiva com o presidente Lula. Ela garantiu maior legitimidade a este movimento coletivo e democratizante. Não teve nada de “chapa-branca”, como rosnou a velha mídia. Evidenciou que há uma mudança em curso, com o nascimento de uma nova mídia, que deverá ter papel mais protagonista no país. Diferentemente do encontro, no qual houve unanimidade nos elogios, a entrevista gerou certas críticas – algumas justas e outras exageradas. Para as próximas entrevistas, novos mecanismos, mais democráticos e transparentes, precisarão ser adotados. A vida vai nos ensinando.

Estes dois golaços se somaram ao trabalho árduo e corajoso de muitos internautas, que há mais tempo vêem mostrando a vitalidade da blogosfera. Não é para menos que a guerrilha informativa travada por estes combatentes, antigos e novos, virou notícia na batalha presidencial. Serra, amigo da mídia golpista, ficou irritado com o que ele adjetivou pejorativamente de “blogs sujos”. Já o presidente Lula, que foi vítima do cerco midiático, estrelou um vídeo incentivando a blogosfera. Nos jornalões e revistonas, alguns colunistas de aluguel destilaram seu veneno ciumento contra a blogosfera.

Olhando para o futuro
Este precário balanço é o que explica meu otimismo com a blogosfera progressista. Ela só tende a crescer. Se conseguir criar maior sinergia, mantendo sua rica diversidade – sem verticalismos artificiais e disputas mesquinhas – ela vai se multiplicar, florescendo em milhares de blogs, adquirir melhor qualidade e conquistar maior audiência e influência na sociedade. Ele será um dos protagonistas na luta estratégica pela efetiva democratização da comunicação no Brasil. Com o tempo, encontrará as formas para se auto-sustentar e adquirir maior visibilidade. Só os nossos erros podem inviabilizar estes avanços.

Alguns estados já perceberam esse potencial “revolucionário” e estão se movimentando, de forma ampla e unitária, para enraizar a blogosfera progressista. Reuniões, debates e outras iniciativas estão se multiplicando no país. Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Maranhão, entre outros, estão olhando para o futuro. Não querem se perder em briguinhas desnecessárias, em demarcações sectárias, em disputas aparelhistas. Querem travar a boa polêmica, o bom embate de idéias e projetos. O desafio agora é trilhar esse caminho. Conforme o definido em agosto, o desafio agora é realizar massivos encontros estaduais até abril e um encontro nacional ainda mais representativo em maio.

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Governador paulista quer “vender” 25% dos leitos hospitalares do SUS
por Conceição Lemes

A saúde pública no Estado de São Paulo está sendo privatizada a passos largos, em larga escala.

Na última quinta-feira, o governador Alberto Goldman (PSDB) tinha certeza de que acrescentaria novo capítulo a essa história: aprovar na Assembleia Legislativa o projeto de lei 45/10, que altera a lei das Organizações Sociais (OS), de 1998, permitindo que vendam a planos de saúde e clientes particulares até 25% dos leitos hospitalares (entre outros serviços) do Sistema Único de Saúde (SUS).

“A nova lei das OS reduzirá mais o já precário atendimento hospitalar da população pobre”, denuncia ao Viomundo o deputado estadual Adriano Diogo (PT), da Comissão de Higiene e Saúde da Assembleia Legislativa. “É a expansão da ‘quarteirização’ dos serviços públicos de saúde no Estado de São Paulo.”

A tentativa da quinta-feira fracassou. Além de aproximadamente 40% dos deputados não terem conseguido a reeleição (e estão faltando às sessões), o tema é impopular.

Resultado: na primeira votação, obteve apenas 35 votos favoráveis. Como é um projeto de lei complementar, necessita de 48 votos para aprovação. Hoje haverá nova votação. O projeto foi encaminhado pelo governador paulista à Assembleia Legislativa, em 1º de dezembro, em regime de urgência.

PROJETO 45/10: DUPLA PORTA E MAIS RECURSOS PARA OS DA SAÚDE


Teoricamente as OS são entidades filantrópicas. Só que, na prática, funcionam como empresas privadas, pois o contrato é por prestação de serviços.

A lei de OS, de 1998, estabelecia que apenas os novos hospitais públicos do estado de São Paulo poderiam passar para a administração das OS. Porém, uma lei de 2009, do então governador José Serra (PSDB), derrubou essa ressalva. Ela permite transferir às OS o gerenciamento de todos os hospitais públicos do estado. É o caminho para a terceirização completa.

Agora, o novo projeto do governador Alberto Goldman tenta avançar sobre os serviços desses hospitais públicos privatizados. Ele quer é que esses serviços não sejam destinados exclusivamente aos pacientes SUS. O projeto permite as OS venderem até 25% dos seus serviços aos planos de saúde e particulares. É o aprofundamento da “quarteirização”, uma vez que atualmente as OS (que são as terceirizadas) já contratam hoje em dia alguns serviços.

Na prática, o projeto 45/10 institucionaliza a dupla porta, de iniciada no sistema público de São Paulo e hoje disseminada por muitos estados, considerada por vários especialistas uma ilegalidade.

Pela “porta 1”, entram os usuários do SUS. Pela “porta 2”, apenas os conveniados e particulares. O argumento dos defensores da dupla-porta é que o pagamento dos serviços ajudaria a pagar a conta dos doentes do SUS.

A questão é que, nas mesmas instituições públicas, pacientes SUS têm diagnóstico e tratamento mais tardios do que conveniados ou particulares para males idênticos. E aí está x do problema, até porque esses hospitais foram construídos com recursos do SUS.

Tem mais. Na prática, o projeto do governador paulista cria uma nova fonte de financiamento para as OS. Ele prevê que o dinheiro arrecadado com a prestação desses serviços seja repassado diretamente às OS e não ao poder público, que as financia como manda a lei. Além de o Estado não ter ressarcimento, o recurso não será contabilizado na receita e na despesa pública, criando uma ilegalidade. Afinal, a Lei Estadual 9.058/94 já prevê que haja o ressarcimento para o Estado do gasto de usuários de planos de saúde se forem utilizados equipamentos públicos. Também as normas fixadas pela Lei Federal 9.656/ 1998 já prevêem o ressarcimento para o poder público.

E quem controla isso? Que garantia o Estado tem de que serão “vendidos” 25% e não 30% ou 40%, por exemplo? O próprio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo reconhece que é difícil esse controle.

HOSPITAIS ADMINISTRADOS POR OS CUSTAM 50% MAIS

Por que então o governador quer aprovar o projeto de lei 45/10, autorizando o uso de até 25% dos leitos da rede estadual por convênios e particulares?

A explicação é simples. O custo do gerenciamento dos hospitais públicos pelas OS é alto, ao contrário do que alardeiam os defensores desse sistema de administração.

O cruzamento de dados dos relatórios das OS com informações do Sistema de Gerenciamento da Execução Orçamentária do Estado de São Paulo (SIGEO) comprova isso. Em 2008, os 13 hospitais públicos geridos na ocasião por OS receberam R$ 872 milhões. Um gasto médio, portanto, de R$ 67 milhões. Já os 33 hospitais administrados diretamente pelo Estado gastaram R$ 1,49 bilhão. Um gasto médio de R$ 45,4 milhões.

Resultado: em 2008, os hospitais geridos pelas OS custaram, em média, 50% mais do que os hospitais públicos geridos diretamente pelo poder público.

Em 2009, isso repete. Os hospitais públicos geridos por OS receberam R$ 1,35 bilhão. Um gasto médio de R$ 71 milhões. Já os hospitais administrados pelo Estado gastaram R$ 1,64 bilhão. Um gasto médio de R$ 48,2 milhões. Ou seja, o gasto médio com os hospitais geridos pelas OS ficou 47% mais caro.

A mesma tendência em 2010. Ainda com dados provisórios, os hospitais geridos por OS receberam R$ 1,6 bilhão. Isso representa um custo médio de R$ 76,3 milhões. Já os hospitais geridos pelo Estado gastaram até o momento, a quantia de R$ 1,45 bilhão, representando um custo médio anual de R$ 42,8 milhões.

Outro dado revelador. De 2006 a 2009, os gastos com as OS na Saúde saltaram de R$ 910 milhões para R$ 1,96 bilhão. Um pulo de 114%. No mesmo período, o orçamento do Estado cresceu 47%. Ou seja, as despesas do Estado de São Paulo com a terceirização da saúde cresceram mais que o dobro do aumento do orçamento público.

Só que a sociedade não têm acesso a esses dados. O próprio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo reconhece, insistimos, que o controle social sobre os gastos das OS é muito baixo.

ENTIDADES DE SAÚDE SÃO CONTRA


“Na verdade, a terceirização dos serviços de saúde, via OS, é uma forma de driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal quanto ao gasto com pessoal”, faz outra denuncia ao Viomundo o deputado Adriano Diogo. “Enquanto ao poder público só é permitido gastar, no máximo, permite 46,5% da sua receita corrente líquida com pessoal, nas OS não há limite. Algumas gastam 70% com pessoal. Monta-se, assim, um sistema de contratação indireta de pessoal, sem nenhum limite. E o que é pior. Sem qualquer controle social.”

Não à toa as entidades de saúde são contrárias ao projeto de lei 45/10. Confira.

Maria do Carmo Cabral Carpintero, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo: Há um equívoco básico no projeto: não podemos tratar uma patologia com um remédio fatal. Faltam recursos no sistema de Saúde, mas não iremos resolver o problema, diferenciando os pacientes que não têm convênio. Eles não podem ser tratados como cidadãos de segunda categoria. Isso fere o princípio da equidade, estabelecido pelo SUS.

Renato Azevedo Júnior, vice-presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp): Faltam leitos na rede pública. Não podemos vendê-los. Embora a dupla porta não esteja prevista na lei, sabemos que na prática haverá duas filas para o atendimento nos hospitais públicos: dos pacientes do SUS e dos que têm plano de saúde. A solução para o setor está em aumentar os investimentos e melhorar a gestão do sistema público.

Rogério Giannini, presidente do Sindicato dos Psicólogos (SinPsi): Falta fiscalização na gestão das Organizações Sociais e o projeto vai estabelecer mesmo a dupla porta, uma entradinha para o SUS e outro para os convênios médicos. É uma proposta que vai causar fragilização do Sistema Único de Saúde.

Moacir Miniussi Bertolino Neto, representante do Conselho Regional de Psicologia: Estão privatizando o SUS em São Paulo. O projeto é inconstitucional, beneficia apenas empresários e instituições financeiras e vai aumentar ainda mais a espera por exames e procedimentos.

Benedito Augusto de Oliveira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde (SindSaúde): Não há como regulamentar essa separação de leitos ou dizer a uma pessoa doente que ela ficou além da cota prevista pelo projeto. Isso é um crime. A proposta de privatização dos leitos antes que Alckmin assuma o Governo demonstra o interesse econômico e político do projeto.

Maria Ademilda Mastelar, do Conselho Estadual de Saúde (representante dos usuários): Faltam vagas para os pacientes do SUS em São Paulo, seja para internação ou exames. Não dá para pensar em qualquer proposta que possa reduzir ainda mais a oferta.

QUEM VOTOU CONTRA E A FAVOR DO PROJETO DE LEI 45/10



Os nomes em verde votaram a favor do projeto 45/10, do governador tucano. Os escritos em vermelho, contra.
Escola pública brasileira é um sucesso.
Além do Tietê tem mais do que mato


Vladimir viu o mato comer a onça


Vamos supor que o desempenho dos alunos de escolas públicas federais no ENEM valesse para todos os alunos brasileiros.

Só considerar as notas dos alunos de escolas públicas federais, no ENEM, que usa o sistema PISA de verificação de conhecimento, o mesmo dos países da OCDE.

(Só no Brasil o PiG (*) tentou desmoralizar o PISA.)

Se isso fosse feito, o estudante brasileiro teria notas que o colocariam entre os dez melhores estudantes do mundo.

Atenção, amigo navegante, entre os DEZ MELHORES DO MUNDO !

O aluno de escola pública tem um desempenho superior ao do aluno de escola particular.
Os índices brasileiros desabam quando se leva em consideração a nota dos alunos de escolas públicas estaduais e municipais.

Isso é o que se deduz do resultado do último ENEM, que o PiG (*), de novo, tentou detonar.

Clique aqui para ler “por que o PiG é contra o ENEM: é porque o ENEM leva o pobre à universidade”.

Essas informações saíram da entrevista que este ordinário blogueiro fez com o professor de filosofia da USP, Vladimir Safatle.

Essa entrevista vai ao ar nesta terça-feira, às 21h30, na RecordNews.

(Será precedida de entrevista com o professor Fábio Comparato sobre as novas responsabilidades do Brasil, depois que a Corte de Direitos Humanos da OEA condenou de forma inapelável a Lei da Anistia brasileira. Clique para ler o que Comparato escreveu neste ordinário blog sobre essa derrota brasileira, liderada pela brilhante defesa que Sepúlveda Pertence fez da Lei da Anistia).

Safatle escreveu brilhante artigo na Carta Capital desta semana, com o titulo “Paradoxo nativo – fala-se muito no ensino para dar a falsa impressão à maioria dos brasileiros de que os problemas são profundamente complexos” – e não são.

Safatle recomenda persistência e dinheiro.

Persistência e dinheiro para fazer três coisas, simples: valorizar a carreira do professor; avaliação contínua da qualidade por meio de inspetorias; e escola em tempo integral.

Aí, ele se lembra da obra pioneira de Darcy Ribeiro, no Rio, os Brizolões – a melhor experiência que já se fez sobre Educação, no Brasil.

A tese de Safatle também ajuda a condenar de forma enfática a política privatista do Governo do Farol de Alexandria, que teve no Ministério da Educação – depois Ministro da Educação de Padim Pade Cerra – o arquiteto do desmanche da escola pública, Paulo Renato de Souza

A má qualidade da escola pública municipal e estadual deriva, também, de uma filosofa neoliberal, que esvaziou os cofres públicos em nome da “eficiência” e do “choque de gestão”.

Foi o que, nos Estados Unidos, fez Ronald Reagan, que desconstruiu a escola pública americana, aquela que Roosevelt tinha montado.

Reagan seguia a filosofia de um notável pensador republicano: é preciso reduzir o Estado a tal tamanho que seja possível afogá-lo numa banheira.

Souza e FHC quase conseguiram afogá-lo.

FHC, o Príncipe dos Sociólogos, como costuma lembrar Mino Carta, que dele fez irretocável obituário, teve a ousadia de boicotar a inclusão das cadeiras de Filosofia e Sociologia nos currículos das escolas públicas.

Com o argumento de que não tinha professor de Filosofia suficiente.

E sugeriu dissolver a filosofia e a sociologia em outras matérias.

Esse ordinário blogueiro lembrou, por exemplo, que se poderia estudar Filosofia Grega na aula de Ginástica.

É como se o FHC e o Paulo Renato dissessem, nas palavras de Safatle: “além do Tietê só tem mato”.

Para que o Pará precisa estudar Filosofia, pensam os neoliberais da elite branca (e separatista, no caso de São Paulo).

Gilberto Freyre, como se sabe, foi notável sociólogo, porque nasceu na Móoca.

Pois é, amigo navegante, “além do Tietê só tem mato”.

Só que o mato comeu a onça.

Clique aqui para ler “Salários do Rio são maiores do que os de São Paulo: 16 anos de tucanato !”.


Paulo Henrique Amorim

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Revisitando o poder da mídia

Reproduzo artigo de Venício Lima, publicado no Observatório da Imprensa:

Os resultados da pesquisa CNI/Ibope divulgados no dia 16 de dezembro confirmam uma clara tendência dos últimos anos e, ao mesmo tempo, recolocam uma importante questão sobre o poder da grande mídia tradicional. De fato, a aprovação pessoal e a confiança no presidente Lula atingiram novos recordes, 87% e 81%, respectivamente; e a avaliação positiva do governo subiu para 80%, outro recorde.

A confirmação dessa tendência ocorre apesar da grande mídia e sua cobertura política do presidente e de seu governo ter sido, ao longo dos dois mandatos, claramente hostil ou, como disse a presidente da ANJ, desempenhando o papel de oposição partidária.

Isso significa que a grande mídia perdeu o seu poder?

Monopólio da informação política

Parece não haver dúvida de que a mídia tradicional não tem mais hoje o poder de "formação de opinião" que teve no passado em relação à imensa maioria da população brasileira. E por que não?

Um texto clássico dos estudos da comunicação, escrito por dois fundadores deste campo, ainda na metade do século passado, afirmava que para os meios de comunicação exercerem influência efetiva sobre os seus públicos é necessário que se cumpram pelo menos uma das seguintes três condições, válidas até hoje: monopolização; canalização ao invés de mudança de valores básicos, e contato pessoal suplementar. Com relação à monopolização afirmam:

"Esta situação se concretiza quando não se manifesta qualquer oposição crítica na esfera dos meios de comunicação no que concerne à difusão de valores, políticas ou imagens públicas. Vale dizer que a monopolização desses meios ocorre na falta de uma contrapropaganda. Neste sentido restrito, essa monopolização pode ser encontrada em diversas circunstâncias. É claro, trata-se de uma característica da estrutura política de uma sociedade autoritária, onde o acesso a esses meios encontra-se totalmente bloqueado aos que se opõem à ideologia oficial" [cf. Paul Lazarsfeld e Robert K. Merton, "Comunicação de massa, gosto popular e ação social organizada" in G. Cohn, org. Comunicação e Indústria Cultural; CEN; 1ª. ed., 1971; pp. 230-253].

Aparentemente, a monopolização do discurso político "mediado" pela grande mídia – em regimes não-autoritários – foi quebrada pelo enorme aumento das fontes de informação, sobretudo com a incrível disseminação e capilaridade social da internet.

Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, quando de sua rápida visita ao Brasil, em abril passado, o fundador do diário espanhol El País, Juan Luis Cebrian, afirmava:

"...a internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado? Do início ao fim da última campanha presidencial americana, circularam pela web algo como 180 milhões de vídeos sobre os candidatos Obama e McCain, mas apenas 20 milhões haviam saído dos partidos Democrata e Republicano. As próprias organizações políticas foram ultrapassadas pela movimentação dos cidadãos. Como ordenar tudo isso? Não sei. (...) ...hoje existem 2 bilhões de internautas no mundo, ou seja, um terço da população planetária já tem acesso à rede. Há 200 milhões de páginas web à escolha do navegante. Na rede, você diz o que quer, quando quiser e a quem ouvir, portanto, o acesso à informação aumentou de forma espetacular. Isso é fato.

A disseminação da internet – ou seja, a quebra do monopólio informativo da grande mídia – aliada a mudanças importantes em relação à escolaridade e à redistribuição de renda que atingem boa parte da população brasileira, certamente ajudam a compreender os incríveis índices de aprovação de Lula e de seu governo, mesmo enfrentando a "oposição" da grande mídia.

Resta muito poder

Isso não significa, todavia, que a grande mídia tenha perdido todo o seu poder. Ao contrário, ela continua poderosa, por exemplo, na construção da agenda pública e na temerosa substituição de várias funções tradicionais dos partidos políticos, vale dizer, do enfraquecimento deles.

A grande mídia, em particular a mídia impressa (jornais e revistas), ainda continua poderosa como ator político em relação à reduzida parcela da população que se situa na ponta da pirâmide social e exerce influência significativa nas esferas do poder responsáveis pela formulação das políticas públicas, inclusive no setor das comunicações.

O fenômeno Lula, que deixa o poder, como observou um analista, "amado pelo povo e detestado pela mídia", deve servir, não só para uma reavaliação do papel da mídia de massa tradicional, mas também como horizonte para aqueles que trabalham pela universalização da liberdade de expressão e pela efetivação do direito à comunicação.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Wikileaks e a liberdade de expressão

Reproduzo reportagem de Juliana Sada, publicada no blog Escrevinhador:
Com a presença de cerca de duzentas pessoas no auditório e mais de quinhentas acompanhando a transmissão pela internet, aconteceu o ato-debate sobre o Wikileaks na última quarta-feira, em São Paulo. O encontro reuniu militantes de diversas áreas que se uniram em defesa da liberdade de expressão e pelo direito de acesso à informação. A jornalista Natalia Viana, que faz parte do Wikileaks, esteve presente para esclarecer o funcionamento da organização e contar como está sendo o processo de divulgação dos documentos relacionados ao Brasil.

Ofensivas
Um dos temas de muita preocupação foi a atual situação legal de Julian Assange, fundador do Wikileaks. O australiano foi condenado na Suécia por crime sexual – especificamente, por manter relação sexual sem preservativo –, e após algum tempo, ele se entregou à Justiça Britânica. Ontem (quinta-feira), Assange foi solto mediante pagamento de fiança.

Ainda que no debate se tenha ressaltado o caráter de perseguição política da prisão de Assange, a Natalia Viana afirmou não ser essa a maior ofensiva contra a organização. Ela declarou estar em curso nos EUA uma tentativa de criminalização do Wikileaks. “O Departamento de Justiça dos Estados Unidos abertamente declarou: ‘não achamos uma lei na qual possamos enquadrar o Wikileaks, mas vamos achar. ’” Natalia conta ainda que há alguns anos os Estados Unidos tentaram classificar a organização como um grupo terrorista.

Parceria O Globo e Folha de S.Paulo
No Brasil, o Wikileaks optou por realizar uma parceria com dois grandes jornais de alcance nacional – a Folha de S.Paulo e O Globo, do Rio de Janeiro. Ambos os veículos e a jornalista Natalia Viana [*] têm exclusividade (que deve durar até janeiro) no acesso aos documentos relativos ao Brasil. Uma vez divulgados na imprensa – de maneira coordenada – os documentos são disponibilizados na íntegra na página do Wikileaks.

A opção pela parceria com estes jornais foi questionada por muitos presentes, que duvidaram da confiabilidade dos veículos. Natalia Viana explicou a importância destas parcerias. Primeiramente, estes órgãos de imprensa possuem grande abrangência – e o intuito do Wikileaks é fazer com que as informações circulem –, além disto, é importante que haja uma apurada checagem da veracidade dos documentos, e os jornais contribuem com seus funcionários nesta tarefa.

Quanto às possíveis distorções e usos políticos das informações, a jornalista Natalia Viana ressaltou um ponto importante do Wikileaks: “A Folha pode relatar como quiser, porque as pessoas podem ver o material original. O essencial da organização é que a pessoa possa ver os documentos e fazer o próprio julgamento”. A escolha pelos veículos não foi político e sim de abrangência, Natalia avalia que “é o fato do Wikileaks não possuir vínculos políticos que possibilita o recebimento dos documentos vazados”.

Wikileaks e a Falha de S.Paulo
Um dos grandes méritos do debate foi aproximar os ataques ao Wikileaks à realidade brasileira – sobretudo com a ofensiva sofrida pelo blog de paródia Falha de SP e as ameaças e restrição da liberdade na internet.

O blog Falha de S.Paulo foi criado para fazer uma paródia da Folha de S.Paulo. Em pouco tempo, o jornal moveu um processo por “uso indevido da marca” contra o blog, que teve que ser retirado do ar sob pena de receber uma pesada multa. Outro argumento utilizado foi que o “consumidor mais desavisado” poderia confundir o blog de comédia com o site do jornal. Na quarta-feira, o Tribunal de Justiça de São Paulo recusou a derrubar a liminar que tirou a “Falha” do ar. Desta vez, os desembargadores afirmaram que a Falha era um “flagrante caso de concorrência parasitária”. O processo segue tramitando.

Pablo Ortellado, professor da USP e pesquisador do GPOPAI, afirma que tanto o Wikileaks quanto o blog Falha de S.Paulo são ofensivas contra a liberdade de expressão “ambos estão sendo atacados brutalmente por meios escusos”. Ou seja, sob alguma acusação tentam calar estes atores. Ortellado ressalta a importância de “comprar a briga e ir até o fim, para abrir um precedente jurídico” e afirma que até agora, no Brasil, somente o Centro de Mídia Independente fazia isso.

Já Sérgio Amadeu, professor da UFABC, chamou a atenção para o projeto do senador Azeredo, apelidado de AI-5 digital, que tem como objetivo acabar com o anonimato na rede, por meio de identificação do rastro digital. Para Amadeu, iniciativas como a do Wikileaks e dos hackers – que atacaram sites de empresas que boicotavam a organização – são utilizados pelos conservadores para cercear a liberdade na internet. O estudioso alerta que “a reação será contra a rede e não contra indivíduos” e avisa da importância de barrar tais iniciativas, “a internet tem que ser livre para que a verdade prevaleça”.

* A jornalista Natalia Viana possui um blog no qual produz reportagens, ao mesmo tempo dos grandes veículos, a partir dos documentos vazados. É uma boa opção para fazer um contraponto ao que é publicado na imprensa. O blog pode ser acessado aqui.

BH em chamas


A capital dos mineiros, conforme o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, contabilizou no censo de 2010 cerca de 2.375 milhões de habitantes. O município de BH, como é carinhosamente conhecida, que no último censo demográfico ficou na condição de quarta maior cidade do país, passou desta feita para o posto de sexta em concentração demográfica. Mesmo perdendo o posto para outras cidades, obtendo um crescimento relativo, a capital mineira continua colecionando diversos problemas urbanos: estruturais e sociais, a exemplo das grandes cidades brasileiras.

Todavia, não é pelo fato de perder a condição de terceira maior cidade do Brasil que Belo Horizonte passará a exercer no próximo período um menor protagonismo na luta política nacional, pelo contrário. A situação política consolidada a partir das duas últimas eleições, decorrente de alianças políticas confusas, aumentou as contradições e a responsabilidade dos mineiros da capital com o projeto de Brasil que queremos. As eleições de 2008 e a confirmação de Aécio Neves como a maior liderança política das alterosas nas eleições de 2010 é o resultado de erros políticos e eleitorais imperdoáveis, que precisamos urgentemente contornar para possibilitar o reinício da construção de um novo ciclo político.

O projeto democrático e popular iniciado em 1992, inaugurado com a eleição de Patrus Ananias, foi a consolidação de um longo processo político e eleitoral que evoluía desde a abertura democrática na década de oitenta. A eleição das forças democráticas e progressistas em Belo Horizonte possibilitou a implantação de um novo conceito de administração pública orientado pela participação popular, inversões de prioridades nas áreas sociais, respeito aos movimentos populares e sindicais e aprimoramento da máquina administrativa. A eleição na capital irradiou pelo interior do estado e possibilitou ao longo dos anos a eleição de dezenas de prefeitos progressistas, criando um novo ambiente político na conservadora Minas Gerais.

Esse processo que vinha evoluindo com sucessivos governos municipais (Célio de Castro e Fernando Pimentel) e ampliado com a eleição de Lula em 2002, foi rompido em 2008. A precipitada e irresponsável aliança política e eleitoral patrocinada pelo então prefeito Pimentel e agarrada com unhas e dentes pelo governador tucano Aécio Neves, encerrou um ciclo de dezesseis anos de governo democrático e popular. A eleição de Márcio Lacerda para a prefeitura de BH, afilhado do governador tucano, possibilitou o retorno do PSDB e de forças conservadoras no comando da capital mineira depois de duas décadas.

O resultado prático desta inimaginável aliança eleitoral foi o abandono promovido pelo poder municipal das principais conquistas democráticas do período anterior. A concepção do choque de gestão, o conceito gerencial de permanentes avaliações estatísticas e de focalização das políticas públicas, o atrofiamento dos espaços de participação popular, o desrespeito aos movimentos populares e sindicais, a centralização da administração pública e o conservadorismo político é a tônica da atual administração. Mesmo com todos as ações apontando para uma consolidação de rumo voltados para os interesses estratégicos do Palácio da Liberdade, o prefeito da capital, Márcio Lacerda, equilibrou-se entre o projeto tucano na eleição estadual e o apoio no segundo turno à Dilma Rousseff, sendo um dos mentores da dobradinha “dilmasia” e “pimentécio”.

A ausência de nitidez programática, o oportunismo político, os projetos pessoais, a disputa interna no partido dos trabalhadores, as distorções de trabalhistas e socialistas, entregues ao projeto liberal conservador de Aécio Neves, resultaram na primeira derrota eleitoral das forças progressistas na cidade de Belo Horizonte desde as eleições de 1989 (Collor x Lula). O que vimos foi uma esmagadora vitória do projeto tucano mineiro: na cidade de BH, no Estado de Minas, incluindo no processo a derrota de Serra para Dilma no segundo turno. O resultado foi a eleição do governador Antônio Anastasia, dos senadores Aécio e Itamar e de uma bancada de deputados estaduais e federais capazes de sustentar o projeto liberal e conservador para os próximos quatro anos e ainda servir de degrau para o projeto presidencial Aécio 2014.

Nesse ambiente de derrota e num cenário confuso e conflitante, que se desenvolve, desde as primeiras horas pós o segundo turno eleitoral, o processo sucessório de Belo Horizonte 2012. A primeira medida do prefeito foi propor uma nova reforma administrativa que caminha para uma maior centralização de poder, a exclusão de setores progressistas da máquina administrativa e uma aproximação maior com os tucanos e partidos que gravitam na órbita do projeto Aécio Presidente. A contrapartida do Palácio da liberdade ao prefeito Lacerda é a possibilidade de transformá-lo em candidato ao governo de Minas nas eleições de 2014, já que o atual governador não poderá se candidatar no próximo pleito.

Nesse contexto os “arquitetos” do projeto 2014 operam a eleição da presidência da câmara de vereadores. Os líderes políticos articulados com o prefeito e o palácio da liberdade tentam de todas as formas emplacar um vereador comprometido, desde já, com o projeto estratégico do tucanato mineiro. Enquanto isso, a divisão no interior do partido dos trabalhadores continua a todo vapor, e os partidos do espectro popular, divididos e distantes de um acordo viável.

Precisamos sentar, todas as forças populares e progressistas da cidade em torno de uma mesa e aparar as arestas acumuladas ao longo dos últimos meses. Precisamos apagar as labaredas que queimam as possibilidades de um futuro muito melhor para Minas e Brasil. Precisamos organizar e propor um novo programa de governo para a cidade de Belo Horizonte, comprometido com o avanço social e estrutural da cidade. Precisamos pensar em educação de qualidade, saúde eficiente, moradia popular, transporte coletivo, segurança pública, meio ambiente saudável. Precisamos apresentar aos belo-horizontinos que já foram parceiros de um de um novo tempo, contornos de um projeto que avance para um novo ciclo de desenvolvimento sustentável, democrático e popular. Precisamos apagar o fogo de vaidades e descortinar um horizonte mais belo, justo e democrático para a capital dos mineiros.