Está tramitando no Congresso o Plano Nacional de Educação (PNE), projeto de lei que tem o objetivo de delinear os rumos da educação brasileira até o ano de 2020. No total, são apresentadas 10 diretrizes e 20 metas que, grosso modo, definem o que será (de acordo com os objetivos do governo) o nosso sistema educacional daqui a quase 10 anos.
Por Caio Botelho*
Essas metas são subdivididas em uma série de “Estratégias”, que têm a finalidade de apontar o caminho a ser percorrido para que as metas sejam cumpridas.
Não se trata, portanto, de um debate de menor importância. Pelo contrário: o resultado das discussões em torno do PNE pode apontar se a educação brasileira terá avanços consideráveis no próximo período, se ficará parada no mesmo lugar, ou mesmo se irá andar para trás depois de anos experimentando um importante ciclo de avanços.
É fundamental ressaltar ainda que a elaboração do Plano não decorre de um simples ato de vontade do governo. Trata-se de uma exigência constitucional, prevista no artigo 214 da Constituição Federal de 1988. Entretanto, a quais interesses o PNE atenderá é que é um campo aberto, em disputa entre setores mais conservadores, pouco afeitos à defender os interesses da maioria dos brasileiros, e outros mais avançados, que entendem a importância do fortalecimento da educação (especialmente a pública) para a realização de um projeto mudancista que leve o Brasil a um virtuoso e permanente ciclo de desenvolvimento.
É nesse último campo que se encontram as entidades nacionais do movimento estudantil: a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG). O texto original do PNE enviado pelo governo ao Congresso Nacional ainda está em discussão, e o seu resultado deve ser fruto de um amplo debate que deve envolver toda a sociedade, especialmente o movimento educacional. Naturalmente, as entidades estudantis, que já deram tantas contribuições ao país, não deixariam de imprimir as suas marcas nessa discussão de dimensões históricas.
Além do mais, a proposta original do governo não atende em sua plenitude as demandas do movimento estudantil, ainda que traga avanços importantes, especialmente se comparados ao PNE anterior, elaborado na era FHC e destruído pela sanha neoliberal. Não é a toa que a UNE, UBES e ANPG apresentaram 59 emendas ao projeto, sendo que 33 delas são aditivas, que buscam inserir no PNE elementos que inicialmente não foram abordados, e 26 emendas modificativas, que pretendem alterar para melhor questões apresentados na primeira versão.
O objetivo das próximas linhas é tratar de algumas dessas propostas dos estudantes, muito embora essa discussão necessite de uma análise mais profunda, que certamente não conseguiremos fazer aqui.
10% do PIB e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação
Quando se fala em fortalecer a educação, especialmente a rede pública, a discussão passa obrigatoriamente pela questão do financiamento. Em que pese o fato de o orçamento do Ministério da Educação ter crescido de 3,9% do PIB (Produto Interno Bruto – a soma de todas as riquezas produzidas pelo Brasil) em 2000 para 5,1% do PIB em 2011, fruto de muita pressão do movimento educacional e de uma concepção mais avançada por parte do governo federal, é fato que esse valor ainda é insuficiente para atender às necessidades existentes, que passam por salários decentes para professores e funcionários, boas estruturas físicas de Escolas e Universidades, incentivo à pesquisa e extensão, garantia de acesso e permanência dos estudantes, entre muitas outras.
Mas o projeto original ainda é tímido nesse sentido. A proposta do governo é de, até o ano de 2020, chegar a 7% do PIB investido nesse setor. No que diz respeito ao Fundo Social do Pré-Sal (importante iniciativa do governo Lula que garante que as riquezas oriundas da extração de petróleo na região do Pré-Sal sejam investidas em áreas estratégicas como educação, cultura e ciência e tecnologia) o PNE apenas cita a possibilidade de usar recursos desse Fundo na educação, sem definir um percentual. Ora, se essa proposta for mantida do jeito que está, ficaremos novamente dependentes da boa vontade dos governos em investir mais ou menos nessa área.
E isso é ruim. Justamente por isso as entidades estudantis propuseram algo diferente: em suas opiniões, para o país atender à crescente demanda, é preciso alcançar o patamar de 7% não em 2020, mas imediatamente, e até o ano de 2014 chegarmos aos 10% do PIB investidos na educação. No ano da Copa do Mundo de futebol, não haveria conquista maior para o Brasil do que essa.
E para ajudar a alcançar esse patamar, metade do Fundo Social do Pré-Sal deverá ser destinado à educação. É bom lembrar que essa proposta já havia sido aprovada anteriormente pelo Congresso Nacional, quando da discussão sobre a lei do Fundo Social, mas foi vetada pelo então presidente Lula. Agora, a luta é para aprovar novamente essa ideia no Congresso e pressionar a presidenta Dilma para que mantenha essa iniciativa.
Naturalmente, os setores mais conservadores já se mobilizam contra essa medida. Acham um absurdo que 10% das riquezas produzidas pelo povo brasileiro sejam utilizadas para ajudar no desenvolvimento do país (para o qual a educação é essencial). São os mesmos que acreditam ser natural que dezenas de bilhões de reais (constituídos, repetimos, pela riqueza produzida com o suor dos nossos trabalhadores), sejam utilizados para alimentar a roda da agiotagem promovida pelo capital financeiro. Apenas em 2011, 44% de nosso PIB foi destinado a pagar juros da dívida brasileira – um disparate quando comparamos com o percentual investido em educação.
Regulamentação do ensino pago
Se alguém quiser pisar no calo da turma que trata a educação como balcão de negócios, uma mercadoria exposta numa prateleira e pronta pra ser vendida, basta colocar na pauta das discussões a questão da regulamentação do ensino pago. Novamente, UNE, UBES e ANPG enfrentam o debate sem nenhum receio de se contrapor aos interesses dos que lucram bilhões com algo que, antes de tudo, deveria ser tratado de fato como um direito fundamental de todo brasileiro.
E nesse quesito o governo federal tem sido um tanto quanto omisso nos últimos anos. Se é verdade que algumas iniciativas de fortalecimento do ensino público foram adotadas, também é certo que quase nada foi feito para regulamentar a rede privada, deixando os tubarões do ensino correrem soltos, muitas vezes prestando uma educação de péssima qualidade.
E a proposta original do PNE reflete bem isso. Nas 10 diretrizes, 11 artigos, 20 metas e 191 estratégias, nenhuma, mas absolutamente nenhuma linha é dedicada a tratar do ensino pago (!). É como se a educação privada não existisse aos olhos do governo.
Mas as entidades estudantis tratam do assunto, e com propriedade. Cerca de oito emendas propostas pelos estudantes abordam essa questão. A primeira delas, de forma audaciosa, pretende inserir a regulamentação do setor privado da educação entre as diretrizes do Plano, mais exatamente no artigo 2º do projeto de lei.
E aí seguem outras iniciativas do gênero, como a de utilizar o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES) como critério de avaliação do desempenho das Instituições privadas. Hoje, essas Instituições contam com poucos instrumentos de aferição da qualidade do ensino, transferindo para o estudante a responsabilidade pela má educação recebida, o que ocorre de forma muito clara com os tais Exames de Ordem. Além disso, as entidades propõem que o Ministério da Educação, com o apoio do Conselho Nacional de Educação e do Fórum Nacional de Educação, regulamente a oferta de vagas na rede privada. Tal iniciativa nasce da ideia de que essa oferta deve atender a demandas reais da sociedade brasileira, e não interesses mercadológicos, como ocorre hoje em dia.
Outro ponto importante trata da circulação de capital estrangeiro nas Universidades nacionais que, na opinião dos estudantes, deve ser integralmente proibido. Essa posição nasce basicamente de duas necessidades: primeiro, defender a soberania nacional, já que muitas vezes a relação promíscua de Instituições de ensino brasileiras com grupos educacionais estrangeiros tem como resultado uma educação que não reflete as características e anseios do desenvolvimento do Brasil. Em segundo lugar, para garantir a qualidade do ensino, já que essas “parcerias” geralmente tem o objetivo apenas de explorar esse rico mercado, sem nenhuma garantia de uma boa educação.
Por último, não poderia deixar de ser tratada a questão das mensalidades, onde o caráter mercadológico do ensino pago mais se reflete e que se constitui como um dos maiores fatores de exclusão – senão o maior – de importante parcela de nosso povo ao acesso à educação. Nesse caso, é reafirmada a importância do Projeto de Lei 6489/06, conhecido como “PL de mensalidades da UNE” e assegurada desde já, no PNE, a garantia de envolvimento de pais e estudantes na negociação dos reajustes de modo paritário e o direito à rematrícula, impedindo que muitos estudantes não consigam dar prosseguimento aos seus estudos por conta das absurdas mensalidades cobradas.
Democratizar o acesso e garantir a permanência
Trata-se de dois desafios que devem estar interligados. É essencial garantir os mecanismos de acesso do jovem à educação, mas, além disso, também é indispensável assegurar as condições para que ele/ela permaneça na escola/universidade. Embora o texto original do PNE traga propostas interessantes sobre o assunto, as entidades estudantis decidiram apresentar sugestões no sentido de aprimorar mais esses temas.
O objetivo de democratizar o acesso é sintetizado especialmente pela proposta de garantir que 40% dos jovens entre 18 e 24 anos estejam na Universidade no ano de 2020, sendo que 60% dessas vagas devem ser na rede pública. A proposta original do governo apresenta a meta de alcançar 33% dos jovens na Universidade, tímida demais. Além disso, a reserva de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas – antiga bandeira do movimento estudantil – não foi citada na proposta inicial, equívoco que se busca corrigir através de uma das emendas das entidades.
A necessidade de expansão do ensino técnico também foi lembrada. Abordada inicialmente de forma genérica e sem metas definidas, tomou um corpo mais respeitável a partir das emendas oriundas dos estudantes. Para eles, é fundamental assegurar uma ampliação das vagas do ensino médio integrado ao técnico que de modo a chegar a 35% do total de matrículas, sendo 80% delas na rede pública, até o ano de 2020.
A partir daí, nos debruçamos sobre o desafio de garantir a permanência desse estudante na escola ou universidade. E uma série de medidas são propostas, como a de garantir a expansão de creches nas universidades públicas. Mas a principal ideia trazida pelos estudantes no tocante a esse tema trata do Plano Nacional de Assistência Estudantil. É bom frisar que a primeira versão cita, de modo tímido, algumas iniciativas relacionadas à assistência estudantil, mas vem das entidades representativas dos estudantes a proposta de criar um Plano que, com financiamento próprio, leve a cabo programas que garantam que todos que entrem na Universidade tenham as condições necessárias para dela sair apenas com o diploma em mãos.
Para isso, 15% do orçamento das Universidades Públicas deverá ser destinado para assistência estudantil na respectiva Instituição. Seria constituído, ainda, um Fundo Nacional de Assistência Estudantil, composto por 2% do orçamento anual do Ministério da Educação e 2% do orçamento das Universidades pagas. Essa grana serviria tanto para estudantes da rede pública quanto da rede privada de ensino que precisassem de um “empurrãozinho” para dar continuidade aos estudos.
As boas ideias não param por aí
Cada uma das quase 60 emendas da UNE, UBES e ANPG ao Plano Nacional de Educação tratam de temas relevantes para se construir o modelo educacional que desejam os setores progressistas da sociedade e que, sem ele, não conseguiremos romper as amarras que ainda prendem o nosso país a atrasos históricos.
Entre algumas outras emendas dos estudantes brasileiros, representados por suas entidades nacionais, podemos encontrar a ideia de ampliar os poderes do Fórum Nacional de Educação; de universalizar a educação infantil, fundamental e média; garantir laboratórios de informática com acesso à banda larga nas escolas; promover iniciativas que visem abolir a necessidade de fiador no FIES; defender a gestão democrática, com eleição direta para diretores de escola e reitores de universidades, sejam públicas ou privadas.
Também se encontra entre as propostas a necessidade de reestruturar o currículo das escolas e universidades, tornando-o mais diversificado e atrativo para estudantes e contribuindo para uma formação efetiva da juventude brasileira.
A questão do analfabetismo, cuja meta do PNE é erradica-lo no Brasil até 2020, é complementada com a proposta das entidades de constituir uma grande mobilização nacional em torno deste nobre objetivo, envolvendo a sociedade civil na realização dessa tarefa.
Importante ressaltar também que, após o PNE ser aprovado no Congresso e sancionado pela presidenta Dilma, os estados da Federação terão o prazo de um ano para construir, à luz dos objetivos nacionais, o seu Plano Estadual de Educação. É necessário ter muita atenção a esse elemento, já que para que o Plano Nacional seja posto em prática, será necessário que estados e municípios também estejam engajados nessa luta.
A simples aprovação do PNE, incluindo as emendas da UNE, UBES e ANPG, não garante por si só a implementação de todas essas medidas. Trata-se de um passo importante, mas que deverá ser seguido por muita mobilização para que o Plano não vire uma “carta de boas intenções”, recheado de audaciosas metas que efetivamente não seriam postas em prática.
Mas certamente um futuro promissor aguarda o povo brasileiro que, por sua vez, está ciente de que esse futuro é construído nas lutas do presente. Foi na luta que conseguimos avanços tão importantes nos últimos anos. Será na luta que venceremos a batalha do PNE e tantas outras que nos aguardam pela frente. Bom saber que para isso contamos com as entidades nacionais do movimento estudantil, vigilantes aos anseios dos estudantes e do povo brasileiro, honrando a sua história e as gerações que dedicaram suas vidas a escrevê-las, e prontas para mobilizar milhares de jovens por todo país em torno de suas bandeiras.
Por Caio Botelho*
Essas metas são subdivididas em uma série de “Estratégias”, que têm a finalidade de apontar o caminho a ser percorrido para que as metas sejam cumpridas.
Não se trata, portanto, de um debate de menor importância. Pelo contrário: o resultado das discussões em torno do PNE pode apontar se a educação brasileira terá avanços consideráveis no próximo período, se ficará parada no mesmo lugar, ou mesmo se irá andar para trás depois de anos experimentando um importante ciclo de avanços.
É fundamental ressaltar ainda que a elaboração do Plano não decorre de um simples ato de vontade do governo. Trata-se de uma exigência constitucional, prevista no artigo 214 da Constituição Federal de 1988. Entretanto, a quais interesses o PNE atenderá é que é um campo aberto, em disputa entre setores mais conservadores, pouco afeitos à defender os interesses da maioria dos brasileiros, e outros mais avançados, que entendem a importância do fortalecimento da educação (especialmente a pública) para a realização de um projeto mudancista que leve o Brasil a um virtuoso e permanente ciclo de desenvolvimento.
É nesse último campo que se encontram as entidades nacionais do movimento estudantil: a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG). O texto original do PNE enviado pelo governo ao Congresso Nacional ainda está em discussão, e o seu resultado deve ser fruto de um amplo debate que deve envolver toda a sociedade, especialmente o movimento educacional. Naturalmente, as entidades estudantis, que já deram tantas contribuições ao país, não deixariam de imprimir as suas marcas nessa discussão de dimensões históricas.
Além do mais, a proposta original do governo não atende em sua plenitude as demandas do movimento estudantil, ainda que traga avanços importantes, especialmente se comparados ao PNE anterior, elaborado na era FHC e destruído pela sanha neoliberal. Não é a toa que a UNE, UBES e ANPG apresentaram 59 emendas ao projeto, sendo que 33 delas são aditivas, que buscam inserir no PNE elementos que inicialmente não foram abordados, e 26 emendas modificativas, que pretendem alterar para melhor questões apresentados na primeira versão.
O objetivo das próximas linhas é tratar de algumas dessas propostas dos estudantes, muito embora essa discussão necessite de uma análise mais profunda, que certamente não conseguiremos fazer aqui.
10% do PIB e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação
Quando se fala em fortalecer a educação, especialmente a rede pública, a discussão passa obrigatoriamente pela questão do financiamento. Em que pese o fato de o orçamento do Ministério da Educação ter crescido de 3,9% do PIB (Produto Interno Bruto – a soma de todas as riquezas produzidas pelo Brasil) em 2000 para 5,1% do PIB em 2011, fruto de muita pressão do movimento educacional e de uma concepção mais avançada por parte do governo federal, é fato que esse valor ainda é insuficiente para atender às necessidades existentes, que passam por salários decentes para professores e funcionários, boas estruturas físicas de Escolas e Universidades, incentivo à pesquisa e extensão, garantia de acesso e permanência dos estudantes, entre muitas outras.
Mas o projeto original ainda é tímido nesse sentido. A proposta do governo é de, até o ano de 2020, chegar a 7% do PIB investido nesse setor. No que diz respeito ao Fundo Social do Pré-Sal (importante iniciativa do governo Lula que garante que as riquezas oriundas da extração de petróleo na região do Pré-Sal sejam investidas em áreas estratégicas como educação, cultura e ciência e tecnologia) o PNE apenas cita a possibilidade de usar recursos desse Fundo na educação, sem definir um percentual. Ora, se essa proposta for mantida do jeito que está, ficaremos novamente dependentes da boa vontade dos governos em investir mais ou menos nessa área.
E isso é ruim. Justamente por isso as entidades estudantis propuseram algo diferente: em suas opiniões, para o país atender à crescente demanda, é preciso alcançar o patamar de 7% não em 2020, mas imediatamente, e até o ano de 2014 chegarmos aos 10% do PIB investidos na educação. No ano da Copa do Mundo de futebol, não haveria conquista maior para o Brasil do que essa.
E para ajudar a alcançar esse patamar, metade do Fundo Social do Pré-Sal deverá ser destinado à educação. É bom lembrar que essa proposta já havia sido aprovada anteriormente pelo Congresso Nacional, quando da discussão sobre a lei do Fundo Social, mas foi vetada pelo então presidente Lula. Agora, a luta é para aprovar novamente essa ideia no Congresso e pressionar a presidenta Dilma para que mantenha essa iniciativa.
Naturalmente, os setores mais conservadores já se mobilizam contra essa medida. Acham um absurdo que 10% das riquezas produzidas pelo povo brasileiro sejam utilizadas para ajudar no desenvolvimento do país (para o qual a educação é essencial). São os mesmos que acreditam ser natural que dezenas de bilhões de reais (constituídos, repetimos, pela riqueza produzida com o suor dos nossos trabalhadores), sejam utilizados para alimentar a roda da agiotagem promovida pelo capital financeiro. Apenas em 2011, 44% de nosso PIB foi destinado a pagar juros da dívida brasileira – um disparate quando comparamos com o percentual investido em educação.
Regulamentação do ensino pago
Se alguém quiser pisar no calo da turma que trata a educação como balcão de negócios, uma mercadoria exposta numa prateleira e pronta pra ser vendida, basta colocar na pauta das discussões a questão da regulamentação do ensino pago. Novamente, UNE, UBES e ANPG enfrentam o debate sem nenhum receio de se contrapor aos interesses dos que lucram bilhões com algo que, antes de tudo, deveria ser tratado de fato como um direito fundamental de todo brasileiro.
E nesse quesito o governo federal tem sido um tanto quanto omisso nos últimos anos. Se é verdade que algumas iniciativas de fortalecimento do ensino público foram adotadas, também é certo que quase nada foi feito para regulamentar a rede privada, deixando os tubarões do ensino correrem soltos, muitas vezes prestando uma educação de péssima qualidade.
E a proposta original do PNE reflete bem isso. Nas 10 diretrizes, 11 artigos, 20 metas e 191 estratégias, nenhuma, mas absolutamente nenhuma linha é dedicada a tratar do ensino pago (!). É como se a educação privada não existisse aos olhos do governo.
Mas as entidades estudantis tratam do assunto, e com propriedade. Cerca de oito emendas propostas pelos estudantes abordam essa questão. A primeira delas, de forma audaciosa, pretende inserir a regulamentação do setor privado da educação entre as diretrizes do Plano, mais exatamente no artigo 2º do projeto de lei.
E aí seguem outras iniciativas do gênero, como a de utilizar o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES) como critério de avaliação do desempenho das Instituições privadas. Hoje, essas Instituições contam com poucos instrumentos de aferição da qualidade do ensino, transferindo para o estudante a responsabilidade pela má educação recebida, o que ocorre de forma muito clara com os tais Exames de Ordem. Além disso, as entidades propõem que o Ministério da Educação, com o apoio do Conselho Nacional de Educação e do Fórum Nacional de Educação, regulamente a oferta de vagas na rede privada. Tal iniciativa nasce da ideia de que essa oferta deve atender a demandas reais da sociedade brasileira, e não interesses mercadológicos, como ocorre hoje em dia.
Outro ponto importante trata da circulação de capital estrangeiro nas Universidades nacionais que, na opinião dos estudantes, deve ser integralmente proibido. Essa posição nasce basicamente de duas necessidades: primeiro, defender a soberania nacional, já que muitas vezes a relação promíscua de Instituições de ensino brasileiras com grupos educacionais estrangeiros tem como resultado uma educação que não reflete as características e anseios do desenvolvimento do Brasil. Em segundo lugar, para garantir a qualidade do ensino, já que essas “parcerias” geralmente tem o objetivo apenas de explorar esse rico mercado, sem nenhuma garantia de uma boa educação.
Por último, não poderia deixar de ser tratada a questão das mensalidades, onde o caráter mercadológico do ensino pago mais se reflete e que se constitui como um dos maiores fatores de exclusão – senão o maior – de importante parcela de nosso povo ao acesso à educação. Nesse caso, é reafirmada a importância do Projeto de Lei 6489/06, conhecido como “PL de mensalidades da UNE” e assegurada desde já, no PNE, a garantia de envolvimento de pais e estudantes na negociação dos reajustes de modo paritário e o direito à rematrícula, impedindo que muitos estudantes não consigam dar prosseguimento aos seus estudos por conta das absurdas mensalidades cobradas.
Democratizar o acesso e garantir a permanência
Trata-se de dois desafios que devem estar interligados. É essencial garantir os mecanismos de acesso do jovem à educação, mas, além disso, também é indispensável assegurar as condições para que ele/ela permaneça na escola/universidade. Embora o texto original do PNE traga propostas interessantes sobre o assunto, as entidades estudantis decidiram apresentar sugestões no sentido de aprimorar mais esses temas.
O objetivo de democratizar o acesso é sintetizado especialmente pela proposta de garantir que 40% dos jovens entre 18 e 24 anos estejam na Universidade no ano de 2020, sendo que 60% dessas vagas devem ser na rede pública. A proposta original do governo apresenta a meta de alcançar 33% dos jovens na Universidade, tímida demais. Além disso, a reserva de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas – antiga bandeira do movimento estudantil – não foi citada na proposta inicial, equívoco que se busca corrigir através de uma das emendas das entidades.
A necessidade de expansão do ensino técnico também foi lembrada. Abordada inicialmente de forma genérica e sem metas definidas, tomou um corpo mais respeitável a partir das emendas oriundas dos estudantes. Para eles, é fundamental assegurar uma ampliação das vagas do ensino médio integrado ao técnico que de modo a chegar a 35% do total de matrículas, sendo 80% delas na rede pública, até o ano de 2020.
A partir daí, nos debruçamos sobre o desafio de garantir a permanência desse estudante na escola ou universidade. E uma série de medidas são propostas, como a de garantir a expansão de creches nas universidades públicas. Mas a principal ideia trazida pelos estudantes no tocante a esse tema trata do Plano Nacional de Assistência Estudantil. É bom frisar que a primeira versão cita, de modo tímido, algumas iniciativas relacionadas à assistência estudantil, mas vem das entidades representativas dos estudantes a proposta de criar um Plano que, com financiamento próprio, leve a cabo programas que garantam que todos que entrem na Universidade tenham as condições necessárias para dela sair apenas com o diploma em mãos.
Para isso, 15% do orçamento das Universidades Públicas deverá ser destinado para assistência estudantil na respectiva Instituição. Seria constituído, ainda, um Fundo Nacional de Assistência Estudantil, composto por 2% do orçamento anual do Ministério da Educação e 2% do orçamento das Universidades pagas. Essa grana serviria tanto para estudantes da rede pública quanto da rede privada de ensino que precisassem de um “empurrãozinho” para dar continuidade aos estudos.
As boas ideias não param por aí
Cada uma das quase 60 emendas da UNE, UBES e ANPG ao Plano Nacional de Educação tratam de temas relevantes para se construir o modelo educacional que desejam os setores progressistas da sociedade e que, sem ele, não conseguiremos romper as amarras que ainda prendem o nosso país a atrasos históricos.
Entre algumas outras emendas dos estudantes brasileiros, representados por suas entidades nacionais, podemos encontrar a ideia de ampliar os poderes do Fórum Nacional de Educação; de universalizar a educação infantil, fundamental e média; garantir laboratórios de informática com acesso à banda larga nas escolas; promover iniciativas que visem abolir a necessidade de fiador no FIES; defender a gestão democrática, com eleição direta para diretores de escola e reitores de universidades, sejam públicas ou privadas.
Também se encontra entre as propostas a necessidade de reestruturar o currículo das escolas e universidades, tornando-o mais diversificado e atrativo para estudantes e contribuindo para uma formação efetiva da juventude brasileira.
A questão do analfabetismo, cuja meta do PNE é erradica-lo no Brasil até 2020, é complementada com a proposta das entidades de constituir uma grande mobilização nacional em torno deste nobre objetivo, envolvendo a sociedade civil na realização dessa tarefa.
Importante ressaltar também que, após o PNE ser aprovado no Congresso e sancionado pela presidenta Dilma, os estados da Federação terão o prazo de um ano para construir, à luz dos objetivos nacionais, o seu Plano Estadual de Educação. É necessário ter muita atenção a esse elemento, já que para que o Plano Nacional seja posto em prática, será necessário que estados e municípios também estejam engajados nessa luta.
A simples aprovação do PNE, incluindo as emendas da UNE, UBES e ANPG, não garante por si só a implementação de todas essas medidas. Trata-se de um passo importante, mas que deverá ser seguido por muita mobilização para que o Plano não vire uma “carta de boas intenções”, recheado de audaciosas metas que efetivamente não seriam postas em prática.
Mas certamente um futuro promissor aguarda o povo brasileiro que, por sua vez, está ciente de que esse futuro é construído nas lutas do presente. Foi na luta que conseguimos avanços tão importantes nos últimos anos. Será na luta que venceremos a batalha do PNE e tantas outras que nos aguardam pela frente. Bom saber que para isso contamos com as entidades nacionais do movimento estudantil, vigilantes aos anseios dos estudantes e do povo brasileiro, honrando a sua história e as gerações que dedicaram suas vidas a escrevê-las, e prontas para mobilizar milhares de jovens por todo país em torno de suas bandeiras.
*ex-diretor da União dos Estudantes da Bahia (UEB) e atual diretor de movimento estudantil universitário da União da Juventude Socialista (UJS) no estado da Bahia.
Portal Vermelho
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