“Iremos ser participantes da investigação desse grande esquema criminoso e acabar com as sanguessugas dos recursos públicos do Brasil”. Essa foi a postura apresentada pelo deputado federal pelo PCdoB de São Paulo, Protógenes Queiroz, em entrevista exclusiva ao Vermelho para falar, dentre outras coisas, sobre as últimas denúncias de corrupção nas licitações da Saúde.
De São Paulo, Joanne Mota
O deputado, que assume publicamente a bandeira de combate à corrupção, lançou em dezembro do ano passado a revista Protógenes Contra a Corrupção, que, através debates e colaborações de especialistas, busca colocar para a sociedade, de forma clara, as denúncias apresentadas pela grande mídia. Desde o início de seu mandato, Protógenes Queiroz tem lutado para implementar um Plano Nacional de Combate à Corrupção. Segundo ele, para atingirmos um real desenvolvimento é preciso superar a ideia de tolerância muitas vezes assumida diante dos casos de corrupção. “Precisamos superar a máxima do ‘rouba, mas faz’. Não podemos mais tolerar que usem a máquina pública para o enriquecimento particular”.
Protógenes conversou com o Vermelho e reafirmou que combater a corrupção significa fazer leis que garantam maior celeridade nos processos de investigação e punir com mais rigor os criminosos do dinheiro público.
Acompanhe a entrevista:
Portal Vermelho: Durante sua vida pública sempre levantou a bandeira de combate à corrupção. A Direita brasileira sempre afirmou defender o combate à corrupção, mas muitos acreditam que este posicionamento se dê apenas no substantivo e não no verbo. Qual é a sua avaliação sobre essa discussão?
Protógenes Queiroz: A direita tenta apresentar essa bandeira como sendo sua pauta principal, mas no fundo o que ocorre é uma ação que tenta encobrir todo o trabalho de investigação, fiscalização e controle que foi realizado pelos órgãos do Estado desde o governo Lula, uma gestão com mais transparência, com mais dotação de recursos e estruturação dos órgãos de fiscalização e controle, tais como Polícia Federal, Receita Federal, Judiciário. Ou seja, um fortalecimento das instituições do Estado. Então é preciso voltar um pouco para entender.Antes dessa reestruturação, o que nós vimos no país foi a criação, na década de 1990, pelo governo neoliberal, representado por Fernando Henrique Cardoso, de um modelo de República que contraria esses princípios. Ou seja, foi implementado um modelo no qual o Estado assume um papel mínimo, daí vieram todos os problemas. O Estado mínimo se centra em diminuir a potencialidade da fiscalização e controle, em desestruturar as instituições, deixando-as mais frágeis, para não cumprir o seu papel final.
Já em um segundo momento da República, que foi a ascensão de um governo de esquerda, mais aberto e de coalizão, com mais transparência, onde nós que integramos o Partido Comunista do Brasil colocamos as propostas, as premissas principais, e formulamos o projeto de um novo Brasil. E o Brasil mudou.
Com esse novo bloco tivemos a potencialização das estruturas de Estado, com foco na recuperação de todo o atraso decorrente dessa política neoliberal. Nessa esteira, firmamos como uma das premissas básicas do fortalecimento do Estado, justamente, o combate à corrupção, e combate ao desperdício dos recursos públicos. Além disso, atrelamos essa postura a uma divisão maior de renda, com foco nas camadas mais pobres, dando uma atenção especial a três segmentos importantes para o desenvolvimento: Educação, Saúde e Segurança Pública.
O discurso de combate à corrupção que a direita assume é um discurso que retrata um Brasil campeado pela corrupção, um Brasil tomado pela corrupção. Tal postura busca até nos desqualificar quando nosso bloco levanta a bandeira de combate a este câncer. O que precisa ficar claro é que essa corrupção nas estruturas do Estado já existe há mais de duas décadas e que com a criação de órgãos de fiscalização, ação efetivamente iniciada com o governo Lula, é que ela veio à tona.Instrumentos como a Lei da Transparência, que obriga o Estado, em todos os seus níveis, a apresentar todas as suas contas, buscam corrigir distorções e dotar o Estado de um sistema mais eficiente, acompanhado de um resultado com vistas ao desenvolvimento, se configuram como parte importante no combate à corrupção.
Portal Vermelho: A mídia, em um processo diário, coloca para a população que o Estado se converteu em uma instituição corrupta, sobretudo na última década. Desse modo, como as forças ditas progressistas se apropriam do contradiscurso? Como essas forças esclarecem que hoje há mais casos de corrupção, porque hoje há mais fiscalização?
PQ: Do meu ponto de vista, as organizações partidárias mais progressistas, os organismos da esquerda brasileira, ainda têm dificuldades de se contrapor à propaganda da grande mídia brasileira, sustentada pela elite de direita do país, esta que além de possuir muitos recursos, possui um poder de articulação fortíssimo. Desse modo, nós ainda não estamos sabendo fazer um contraponto, e quando o fazemos, o fazemos de maneira muito tímida.Penso que ainda não assumimos uma ação de vanguarda, ou seja, de tratar o tema dentro de nossas realidades e das nossas ações que vêm sendo feitas no dia a dia. Tais como o aprimoramento do sistema público de saúde e de políticas públicas para a educação, com maior fiscalização e controle dos recursos destinados para estes setores.
Creio que os instrumentos estão postos, os órgãos existem, mas o contraponto ainda é feito timidamente. Penso que ainda há receio em discutir a corrupção, não devemos temer assumir nossa postura, pelo contrário, se hoje mostramos que o Brasil possui estruturas corruptas é porque hoje também possuímos estruturas mais transparentes.
É interessante resgatar que essa mesma direita que hoje levanta a bandeira do combate à corrupção, empreendeu a onda de privatizações que possibilitou, sem deixar rastro, o desvio de bilhões, de uma só vez, do erário brasileiro. Então, os problemas de hoje têm raiz no processo de entreguismo de setores como foi o da mineração, com a venda da Vale do Rio Doce, da aviação, da telefonia, entre muitos outros.
Portal Vermelho: Hoje a palavra controle assume muitas vezes um caráter negativo em muitos debates. Por que isso acontece? E como os órgãos de controle, como a Controladoria Geral do Estado (CGU), têm contribuído na ampliação da fiscalização e na informação sobre os gastos dos recursos públicos?
PQ: A Controladoria Geral da União foi criada a partir de uma exigência da população, que se ressentia de um controle maior da verba pública, um controle maior da responsabilidade no trato da coisa pública. É bom frisar que essa cobrança foi feita ainda no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que cria a CGU, porém não dota dos instrumentos necessários para que ela execute sua função. A história mostra que a CGU só passa realmente a funcionar quando o ex-presidente Lula assume a Presidência. A própria Polícia Federal também assume outro papel após 2002, com valorização do profissional e modernização e ampliação estrutural deste setor. Ou seja, a estrutura do Estado passou a eliminar aquela fragilidade do passado, justamente para fazer face aos desafios do grande Plano Nacional, que foi apresentado por esse bloco progressista que se formou ainda durante a campanha do Lula.
A partir dessa reestruturação do Estado é que passamos a perceber o quanto foi danoso essa política de Estado mínimo no passado, e que ainda está tendo um custo alto. Então, penso que para superarmos as demandas em relação à fiscalização e ao controle dos recursos públicos é preciso ter mais ações de vanguarda, como não fugir do debate ao combate à corrupção e assumir que essa é uma bandeira própria das ações das forças progressistas. Daí a população perceberá sua função enquanto ator de controle social, e se articulará de forma estratégica com o poder público. Ou seja, precisamos unir forças como as dos movimentos sociais e do movimento sindical ao Estado, e superar aquela ideia de que os órgãos de controle servem apenas para a consulta ao governante e não como órgão de planejamento de decisão desse governante.
Portal Vermelho: Olhando para essa fragilidade apontada pelo você e rememorando as últimas denúncias sobre o caso de corrupção no processo de licitação em hospitais do Rio de Janeiro. O que falta para se pensar que desviar a verba pública atinge mais do que o Estado, atinge todos os brasileiros? Por que há esse desrespeito com o que é público?
PQ: Hoje se trava um grande debate quando ocorrem esses escândalos, e quando isso ocorre é que percebemos as fragilidades. Penso que para superar isso primeiramente será preciso fortalecer as instituições de Estado, fortalecer os órgãos de fiscalização e controle, CGU,Tribunal de Contas da União, Polícia Federal, Ministério Público Federal. O caminho a seguir seria fazer leis que garantissem maior celeridade nos processos de investigação, ou mesmo fazer uma lei que punisse com mais rigor os criminosos do dinheiro público.
Outra coisa que precisa ser problematizada, é que ainda não há um debate nacional sobre estas questões, o que existe é um consciente coletivo se indignando com esse tipo denúncia, e esse consciente pede maior pena para esses criminosos. Nesse sentido, penso que o rigor da lei deve estar na ordem das discussões, está na hora de pensarmos em uma lei mais rigorosa e eficaz, tanto no que se refere à punição e detenção dessas pessoas, como na recuperação dos recursos desviados.
Para tanto, precisamos superar os problemas burocráticos e judiciais que muitas vezes emperram a recuperação do patrimônio usurpado. É preciso fazer uma reformulação na legislação. É escandaloso saber que existem liminares para colocar em liberdade esses ladrões da República, no entanto não existe uma só liminar que determine que esses usurpadores tenham seus bens bloqueados e remetidos para o Estado como forma de compensar os desvios cometidos. E qual a nossa resposta para esses atos ilícitos? Apresentamos no ano passado o Projeto de Lei 21/2011, que prevê pena de 12 a 30 anos de prisão para os crimes de corrupção. Ou seja, o que entendemos é que esses criminosos não fiquem impunes, mas sejam salvos pela prescrição, visto que a pena máxima hoje é de seis anos, e se tiver bons antecedentes ele não sofrerá pena de privatismo da sociedade. Então, é mister uma reforma legal, olhando pelo prisma do fortalecimento das instituições do Estado, da definição de uma pena à altura do prejuízo que se causa à sociedade e uma maior participação social no controle das ações do Estado.
Portal Vermelho: Olhando agora para uma ação mais pontual. Qual o balanço que você faz sobre o encaminhamento das Comissões Parlamentares de Inquérito referentes aos casos Cachoeira e da Privataria Tucana?
PQ: Primeiramente, é bom frisar que estes dois casos fazem parte de uma ação parlamentar transformadora. Quando me deparei com estes dois temas que são superimportantes para a República, que historicamente nunca foram debatidos com a atenção devida e nem expostos para a sociedade, nem tampouco foram alvo de investigações como foi o caso das privatizações e agora recentemente a denúncia de parlamentares envolvidos no crime organizado e com corrupção, percebi a responsabilidade e o desafio que nós teríamos pela frente.
Tomando primeiro a CPI da Privataria Tucana, que foi objeto das privatizações realizadas na década de 1990 – apoiada naquela política de Estado mínimo brasileiro –, e logo que foi publicado o livro do Amaury Ribeiro Junior, me deparei com três operações que coordenei durante mais de 13 nos na Polícia Federal, o que me colocou à frente destes processos. Ou seja, vi que precisávamos tomar uma providência e o próximo passo foi apresentar para a sociedade o caso, pois o Brasil precisava conhecer esse debate.
E com a ajuda do livro-documento do Amaury o Brasil foi contagiado pelas denúncias apresentas pelo autor. O mais estranho é que nenhuma instituição dessa República se dignou a querer investigar o caso. Precisou nós instalarmos no Parlamento o pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para aquilo ser reproduzido, ser construído todo um debate a respeito do histórico das privatizações no Brasil, se verificar se houve mesmo corrupção e desvio de verba.
Então, o que o nosso bloco quer saber é já que se privatizou, já que venderam nossas riquezas nacionais, para onde foi esse dinheiro? Queremos saber se o dinheiro foi parar na contar do ex-governador José Serra, se foi parar na conta do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ou na conta do operador Ricardo Sérgio. O que nós queremos é a verdade. Penso ser justa essa indagação. O outro debate que irá transformar o Brasil se refere ao caso da CPI do Cachoeira que é tão grave quanto o da CPI da Privataria Tucana. Os atores são os mesmos, o modus operandi é o mesmo, as apropriações dos recursos públicos são de grande monta como no passado. Nesse momento temos revelado todo o esquema podre realizado durante anos na República. Queremos ser participantes da investigação desse grande esquema criminoso de sugar os recursos públicos do Brasil. A partir de agora a ordem é essa, pelo menos nesse mandato parlamentar o botão vai ser esse: investigar e processar. A pesar das críticas, pois se tratam de ações que não são bem-vidas no Parlamento, nem tampouco nas discussões políticas das organizações políticas.
Portal Vermelho: Essa ausência de discussão se liga ao nível de alianças que são firmadas em Brasília. O que coloca ser preferível evitar o debate a romper os acordos?
PQ: É exatamente isso. Tenho feito esse enfretamento com os partidos políticos no Congresso, inclusive queria que estas duas CPIs corressem juntas numa CPI mista, mas não encontrei apoio no Senado Federal para concretizar isso. Visto que se tem suspeita de senadores envolvidos em ambos os casos.Porém, apesar dos anacronismos e dos inconformismos, das ações políticas que tentam a todo tempo se articular para a coisa não acontecer, para manter o status quo, a Câmara tem assumido sua responsabilidade e tem dado o tom da mudança nessa República. Afirmo, iremos até o fim nestas duas CPIs. Não seria diferente, represento um Partido que tem 90 anos de história e de ação concreta e iremos fazer valer essa história. Isso significa investigar, processar e punir quem espolia o patrimônio público de nossa República.