A construção de um Estado democrático e o conceito de democracia estão presentes na humanidade desde a formação da confederação de Delos em 477 a.C., quando a Grécia se transformou, pouco a pouco, em notável império militar e democrático. É importante lembrar que conceitos filosóficos e ideológicos, classes sociais, hegemonias circunstanciais, materiais e militares determinam a forma, o conceito e o modelo de Estado e de democracia que se estabelece nas sociedades em cada tempo histórico, desde sua fundação em Atenas.
Passados dois mil e quinhentos anos desde as primeiras iniciativas de constituir Estados democráticos e sociedades democráticas, é que a humanidade se depara com os limites impostos às nações, populações e povos de todo mundo pelos impérios dominantes. Hoje, no contexto histórico em que vivemos, é o setor financeiro como base nas principais economias que impõe seus objetivos até mesmo sobre os direitos políticos da democracia burguesa. Em pleno século XXI, a humanidade vive sob a hegemonia neoliberal, mais especificamente sob a ditadura dos mercados financeiros, desregulados e descentralizados.
Sócrates, um dos maiores pensadores da humanidade foi condenado a ingerir cicuta por um tribunal popular em 399 a.C. por defender a radicalização da democracia. O filósofo morreu acusado por não reconhecer os deuses do Estado, introduzir novas divindades e de corromper a juventude. Sócrates, que dizia: apenas saber que nada sabia; questionava os valores morais e religiosos que orientavam a conduta dos indivíduos e que serviam de base às instituições políticas do seu tempo. Do mesmo modo que gregos de hoje questionam os valores do deus mercado e as suas instituições financeiras internas e externas, que os submetem a um duríssimo ajuste econômico que representará a miséria e a desesperança de milhares de homens e mulheres da velha Grécia, descendentes de Sócrates e Platão.
Ocorre que a tragédia grega não se limita às atrocidades financeiras, aos cortes sociais, ao desemprego, ao aprofundamento da miséria, a destruição de um Estado, berço da civilização ocidental. Hoje, assim como há dois mil e quinhentos anos, a principal vítima na Grécia é a democracia, mesmo limitada e inconclusa, mas referência incontestável do sistema capitalista contemporâneo. Sócrates foi condenado à morte por questionar os deuses do Estado. Chamava seus discípulos à razão, ao questionamento das normas de conduta política. A virtude para Sócrates é o conhecimento absoluto.“O Homem é a medida de todas as coisas”.
Se os deuses do Estado levaram Sócrates à morte, agora é o Deus mercado que leva à morte a democracia, o emprego, a soberania, o futuro da nação grega. O Deus mercado decretou o fim do Governo Papandreou, de tendência social democrata, pois o mesmo diante da falência do Estado, da pressão da Comunidade Europeia, da prepotência do Banco Central Europeu, do FMI - Fundo Monetário Internacional, dos famintos credores internos e externos, resolveu consultar o povo grego por via de um plebiscito. O primeiro Ministro grego, emparedado pela banca mundial, propôs consultar a população e dividir com os gregos a crise do país para escolher o melhor caminho a seguir, diante da grave situação. A resposta foi fulminante em menos de quarenta e oito horas estava deposto o gabinete do governo grego. A banca internacional decretou: não cabe ao povo decidir, não cabe aos eleitores e aos governos estabelecer qualquer mediação democrática, quando o que está em jogo são os interesses do poderoso sistema financeiro global.
A ação política de pena máxima à democracia e ao Estado de direito grego foi mais letal que a cicuta aplicada a Sócrates pelo tribunal de Atenas. O mercado afastou em tempo recorde o primeiro-ministro grego Papandreou. Indicou como substituto um novo representante, banqueiro do FMI, íntimo do mercado financeiro: o primeiro ministro Papademos. A missão foi imediatamente cumprida, mudou o governo, aprovou o projeto financeiro imposto pela banca internacional “demônios” do capitalismo na atualidade.
O nome Papademos não poderia ser tão oportuno, ou seja, se o sujeito papa o demo, o que não fará aos trabalhadores. Conforme os articulistas da grande mídia rentista nacional e internacional, o novo governo Grego é um governo técnico. Em resumo, a democracia, desde os tempos de Sócrates, serve somente quando os interesses do poder constituído não estão em cheque, pois do contrário rasga todos os princípios e códigos que norteiam a famigerada democracia burguesa. Nos tempos atuais, a economia rentista domina a política, fixando e impondo a sua agenda. Marx, em artigo publicado em abril de 1853 dizia: “o mínimo que se pode dizer de um governo técnico é que ele representa a impotência do poder político em um momento de transição.
O mundo está diante de um dilema: construir uma nova alternativa política, econômica e social para a humanidade ou sucumbir diante de um Deus autoritário, covarde e sedento de crises e miséria. O que fica evidente nesta crise europeia, que ainda muito teremos que avaliar é que inevitavelmente morreu a democracia capitalista liberal. Não somente na Grécia, mas também na Itália. A resposta em todo o mundo tem sido ainda inconsistente, mas os movimentos embrionários nos Estados Unidos, Europa, Norte da África e no Oriente poderão assumir novas dimensões. É hora de ampliar a luta anticapitalista e propor novos rumos para a humanidade. Viva a democracia proletária, viva Karl Marx.
Gilson Reis é professor, especialista em Economia do Trabalho pela Unicamp.
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