sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Banco Central: autonomia de quem, cara pálida?




Desde o início do ciclo neoliberal no Brasil, setores vinculados aos poderosos interesses financeiros e ao próprio sistema financeiro nacional e internacional tencionam os sucessivos governos para estabelecer, de forma definitiva, através de reforma constitucional, a plena autonomia do Banco Central do Brasil. Dizem os especialistas de plantão, senhores muito bem renumerados pelo mercado, que a política monetária vinculada aos interesses do Estado é o caminho mais curto para se chegar às crises econômicas que solaparam o desenvolvimento do país no período anterior aos anos noventa.

Os rentistas de plantão internos e externos exigiram do Presidente Lula, mesmo antes das eleições de 2002, que o levou ao posto máximo da república, a se comprometer com uma política macroeconômica amplamente desfavorável ao país, a famigerada carta aos brasileiros. A exigência do mercado tinha como um dos pilares justamente a manutenção da política monetária praticada ao longo do governo Fernando Henrique. A receita do mercado consistia, basicamente, na utilização de juros elevadíssimos, um dos maiores do mundo, como forma de atrair capitais internos e externos para financiar a economia nacional. Contudo, a remuneração dos papeis da dívida pública brasileira, transacionados nos últimos anos, elevou a dívida interna dos seus 68 bilhões de reais no início do governo FHC para um trilhão e quinhentos bilhões no final do governo Lula.

Conforme o economista Márcio Pochmann, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, apenas vinte mil famílias brasileiras têm em poder parte desses papéis, o restante, é claro, está em mãos dos grandes grupos financeiros espalhados pelo mundo afora. É importante frisar que a política monetária em vigor, além de proporcionar um aumento estratosférico da dívida pública interna, tem efeitos colaterais extremamente negativos para o dia a dia da população.

Primeiro porque impõem que 20% da carga tributária seja deslocada para rolagem da dívida interna em detrimento da saúde, educação, segurança; segundo porque o aumento dos juros restringe o crédito para a economia real, reduzindo a capacidade de crescimento da economia, o que implica em menos emprego, menos salários e menos desenvolvimento; terceiro porque utiliza da política monetária para controle da inflação, impondo ao conjunto da população metas inflacionárias que em muitos momentos favorecem mais o capital especulativo que a economia real.

É importante lembrar que o mesmo Deus-mercado que exige a autonomia do Banco Central em relação ao governo, é o mesmo mercado que exigiu a completa desregulamentação do mercado de derivativos, que levou as principais economias do planeta a mais profunda crise estrutural do sistema capitalista, desde os anos trinta do século passado. Analistas de mercado afirmam que Estados Unidos e Europa já torraram vinte e cinco trilhões de dólares com o objetivo de controlar a crise. Estão previstos ainda dezenas de trilhões de dólares para recolocar a economia das principais potências no eixo do crescimento novamente.

O debate em torno da política monetária ganhou maior dimensão há mais ou menos cinquenta dias. Naquela ocasião, o Banco Central, analisando a crise externa, seus impactos na economia brasileira, a desaceleração do crescimento interno, a desindustrialização de setores da economia, os juros exorbitantes praticados desde o início do governo Dilma, resolveu, de forma soberana, reduzir os juros da taxa Selic em 0,5%. A gritaria foi ensurdecedora. O mercado que fica com um olho no gato e outro no rato, ou seja, com um olho nos rendimentos dos papéis e no quanto a inflação come esta rentabilidade, decretou solenemente o fim da autonomia do Banco Central e conforme seus agentes e articulistas a intervenção “desastrada” da Presidenta Dilma na política monetária.

Passados cinquenta dias e mais um recuo de 0,5% na taxa Selic, que dessa vez foi previamente absorvido pelo mercado, ficou demonstrada a justeza da posição do Presidente do Banco Central e da Presidenta Dilma. Agora, passada a primeira batalha, é preciso o governo brasileiro definir de forma definitiva quem controla o Banco Central: ou o governo eleito por milhões de brasileiros ou o mercado que não teve um único voto e se arvora em controlar o Banco Central e a política monetária do país. Passou da hora, depois de quase duas décadas de Banco Central controlado e presidido por agentes do mercado financeiro interno e externo, em dar seu grito de liberdade e autonomia. Seu grito de independência ou morte.

Nesse cenário de crise internacional, com perspectiva de diminuição do crescimento global, com restrição das exportações, com desconfiança generalizada entre países e povos é que o governo brasileiro deve mudar de forma profunda a política macroeconômica. O primeiro passo é dizer ao povo brasileiro que, a partir de agora, o Banco Central do Brasil terá ampla autonomia e independência em relação ao mercado financeiro interno e externo e seus especuladores; que as políticas monetária, cambial e fiscal são de responsabilidade do governo federal, da Presidenta Dilma e de seus ministros. Enfim, que os interesses do mercado serão colocados em segundo plano.

Nesse cenário de muitas dificuldades externas e internas é preciso que o governo diga ao povo brasileiro que necessitamos de mais desenvolvimento, mais saúde, mais educação, mais emprego, mais renda para quem trabalha e produz. É hora de mostrar ao povo brasileiro e ao mundo, para além dos discursos, que os maiores responsáveis pela crise internacional que abateu milhões de trabalhadores pelo mundo afora tem um responsável: o mercado financeiro autônomo, independente e irresponsável. Deu no que deu, é hora de mudar.


Gilson Reis é professor, especialista em Economia do Trabalho pela Unicamp.

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